Passado o controverso período eleitoral, e definido quem será o futuro presidente do Brasil, é preciso comentar um ponto importante referente à comunicação oficial de Jair Bolsonaro: o fato de que ele já sinalizou um escancarado desprezo pelos canais tidos como oficiais (como a televisão) e que deverá falar à população por meios alternativos (como as redes sociais). Não por acaso, após eleito, não fez um pronunciamento oficial às emissoras, mas sim uma live no Facebook, sem qualquer preocupação com o profissionalismo.
Na sequência, o presidente eleito concedeu sua primeira entrevista coletiva, finalmente, no dia 01 de novembro. Novamente, mais polêmica: sua equipe (usando uma desculpa de limitação de espaço) vetou a participação de jornalistas dos veículos os quais Bolsonaro critica, como o jornal Folha de São Paulo, em clara postura autoritária e sem sentido (uma vez que as coletivas são, querendo ou não, eventos de divulgação pública, e não furos jornalísticos – ou seja, impedir a entrada de um profissional não evita que outro colega passe as mesmas informações a ele). Foi, em suma, um ato simbólico de desprezo aos veículos que considera tendenciosos e, por isso, desnecessários.
Até aqui, nenhum fato que passe longe do que já era esperado. Uma vez que sua campanha se apoiou, durante toda a sua candidatura, na ideia de que as mídias mentem ou distorcem, era até previsível esta desconsideração com a imprensa. Há, de forma velada, uma ideia de que um político só pode ser transparente com a população à medida que escapa da “mediação” das empresas jornalísticas – que, em resumo, por meio de seus interesses particulares, nada mais fariam além de distorcer aquilo que o tal político fala. Essa lógica, aparentemente, se aplicaria a todos os veículos com exceção da Record, a quem Bolsonaro elogiou pelo jornalismo “isento”, numa clara distorção da realidade. De novo, nada diferente do que já esperávamos.
Tendo isso em mente, gostaria de me ater com mais detalhes aqui à primeira comunicação oficial do presidente eleito, que foi esta coletiva de imprensa ocorrida na própria residência de Bolsonaro. O tom foi da total informalidade: Bolsonaro – como sempre, sem roupa social, passando longe dos protocolos sociais tidos historicamente a políticos de peso – falou com as mãos no bolso, em frente a uma prancha de bodyboard improvisada como mesa, num cenário em que (literalmente) se sentia em casa. Os demais elementos dessa mise-en-scène fortaleciam o mesmo sentido de amadorismo, de um suposto relaxamento da figura formal do presidente da República. Ao fundo, uma moto coberta por uma proteção reiterava que os jornalistas estavam numa garagem, na casa de um “tiozão”, e não que estavámos vendo ao pronunciamento do ocupante do mais alto cargo político do país.
A estratégia da informalidade sempre foi reiterada pelos políticos, pois sempre se soube que os representantes só seriam confiáveis quando fossem reconhecidos por seus eleitores como ‘gente como a gente’.
Ora, a estratégia da informalidade sempre foi reiterada pelos políticos, pois se imaginou que os representantes só seriam confiáveis quando fossem reconhecidos por seus eleitores como “gente como a gente”. Por isso, é sempre esperado que, durante o horário eleitoral, os políticos sejam focados com suas famílias, fazendo coisas “populares”, como comer pastel, andar de jegue, abraçar criancinhas, etc. O presidente americano Roosevelt, para ilustrar, divulgava imagens suas de chinelo enquanto realizava seu programa de rádio. No entanto, Bolsonaro e sua equipe parecem dispostos a elevar ao máximo esta mensagem. Apenas no que vimos até agora, sua suposta simplicidade (na campanha, foi focado comendo pão com leite condensado, por exemplo, e assumiu seu gosto pela “gordura”) deverá ser a marca da comunicação do seu governo.
Se o meio é a mensagem, como dizia o pensador canadense Marshall McLuhan, o governo Bolsonaro reforça que há uma mensagem na estética que adota: a de que o presidente é “simplão”, do “povo”. Aparentemente, por mais calculada que seja, é uma tática que cola, uma vez que foi eleito. Deste modo, consegue apagar entre os seus eleitores a noção de que o que ele faz (deixar de falar nos espaços “oficiais”) é, no fim das contas, mais uma estratégia autoritária, uma vez que ele assume total controle sobre o processo de comunicação, e só traz à tona aquilo que quer. Evita, por exemplo, ser pego em deslizes ou em situações indesejáveis.
Por fim, o discurso da simplicidade ainda traz outro sentido subjacente: a de seu estilo amador é mais “econômico” que a obediência de todos os protocolos formais (envolver assessoria de imprensa, espaços públicos, custos com café, segurança, transporte, etc.), e que este é um caminho desejável para tudo, inclusive para a comunicação. Seu próximo passo, pelo que já sinalizou, é a gradativa desconstrução da televisão pública no Brasil, o que será, sem dúvida, um grande desserviço à população. Mas isso já é papo pra outro texto.