O humor tem, por essência, algo de incapturável. Para que algo seja engraçado, é necessário que haja algum tipo de imprevisibilidade, a qual levará a uma certa forma de tensão – a incerteza do que se desenrolará na sequência – que será extravasada pelo riso. É claro que há uma parte do humor que provém da repetição (como os jargões muito conhecidos de Chaves e Escolinha do Professor Raimundo), mas muito da graça provém de sermos surpreendidos pelo que não esperamos.
Talvez seja por isso mesmo que é muito mais comum vermos humoristas homens que mulheres, especialmente na TV. Isto porque, na cultura, os homens têm mais liberdade – inclusive para rir de si mesmos. As mulheres, como disse recentemente o médico Drauzio Varella, são prisioneiras em vários aspectos, inclusive da responsabilidade sobre a própria imagem. Por consequência, para cada Marcelo Adnet, temos uma quantidade muito menor de Danis Calabresas. O humor – ao menos em algumas de suas vertentes – é entendido como menos propenso a ser feito por elas. No universo do stand up comedy, por exemplo, que se baseia muitas vezes no autoescracho, na tiração de sarro sobre si mesmo e de seus semelhantes, há bem menos mulheres que se tornam muito conhecidas.
Por tudo isto, Tatá Werneck é um verdadeiro fenômeno da comédia. Espécie de Midas do humor, tudo que ela toca vira risada – e sempre de uma forma meio enigmática, a qual não conseguimos explicar exatamente em palavras. Seu estilo algo deslocado flerta com o nonsense de gênios como Andy Kaufman. Por vezes, a piada é tão bizarra que tem tudo para dar errado, mas dá certo. Ao mesmo tempo, a debochada Tatá traz em suas performances uma ridicularização de si mesma que é inesperada às mulheres – meio na linha das amigas engraçadíssimas de Broad City, que arrancam risadas ao se colocarem nas situações mais ridículas e grotescas.
Em voo solo no programa Lady Night, do canal Multishow, Tatá nos brindou com uma temporada completa de uma atração que põe seu talento em total evidência. Conforme lembrou o jornalista Maurício Stycer, há uma certa imprecisão em chamar Lady Night de talk show, uma vez que este é muito menos um programa de entrevistas e mais uma paródia do famoso formato. Os entrevistados trazidos por Tatá, de fato, servem mais como “escada” (aquele personagem na comédia que serve para “levantar a bola” para que o humorista corte) para que a estrela faça seu show.
Tatá Werneck é um verdadeiro fenômeno da comédia. Espécie de Midas do humor, tudo que ela toca vira risada – e sempre de uma forma meio enigmática, a qual não conseguimos explicar exatamente em palavras.
E, novamente, a grande sacada de Lady Night é a dificuldade que temos em precisar por que, exatamente, o programa dá certo. Mas é possível arriscar: Tatá Werneck tem uma rara noção de timing cômico. Seu humor tem algo mal-humorado, meio sério, meio onomatopeico, mais aparentado de Eduardo Sterblich (ex-Pânico e atualmente na Globo) e menos de Fábio Porchat, que ri o tempo todo enquanto joga a piada ao público. Seu estilo ainda tem um certo tom feminista, também, no sentido de que Tatá se coloca como “um dos caras” – as piadas que escracham a ela própria e à sua vida sexual são bem comuns em Lady Night.
Assim, na primeira temporada, Tatá trouxe ao palco um elenco inusitado, composto por outros humoristas, atrizes e atores da Globo, estrelas do SBT, artistas do sertanejo, do funk e do pagode. Os melhores encontros foram aqueles em que ela se colocou numa espécie de duelo com outros personagens engraçados, como o programa com o apresentador Celso Portiolli, que centralizou a conversa na sua admiração (e nas imitações) de Silvio Santos, que também é uma inspiração para Tatá. Juntos com a cantora Maria Gadu, eles reviveram o quadro “torta na cara”, do antigo programa Passa ou Repassa do SBT.
A química, por exemplo, não funcionou da mesma forma com Sandy, pois o programa acaba se configurando mais como uma entrevista, na qual a cantora fala sobre a separação da dupla com o irmão ou sobre a relação com o marido. Ou seja, os episódios mais memoráveis ocorreram nos que se situaram mais no show do que no talk – nos embates de Tatá com outros indivíduos propensos a rirem de si mesmos.
Mas a verdadeira cereja do bolo de Lady Night, como muitos apontaram, está na sacada de um quadro específico, a “entrevista com o especialista”. O quadro é perfeitamente configurado para dar espaço aos talentos de Tatá. Trata-se, basicamente, de uma entrevista feita pela humorista com algum profissional das mais diversas áreas. A graça se concretiza no contraste entre as perguntas bizarras de Tatá e as reações imprevistas dos especialistas.
E é aí que a peculiaridade de Tatá Werneck vem à tona: é a chance que ela tem para rir de si mesma, disparar perguntas num ritmo incrivelmente rápido e, com uma inesperada seriedade, encarar a reação pasma do entrevistado diante das indagações absurdas. Um exemplo: frente a um endocrinologista, ela pergunta: “você cuida de glândulas. A glande é uma glândula glande?”. A veia do nonsense salta a falar com outros profissionais, como com um advogado, a quem ela questiona: “a OAB usa OB?”. Ao veterinário, ela se esculhamba: “por alguns dias por mês, os hormônios me transformam numa mulher gorila. Devo procurar um veterinário?”. Enquanto faz estas perguntas inconcebíveis, ela porta óculos na ponta do nariz e encara a câmera com uma seriedade absolutamente cômica.
Bastante inspirado, Lady Night sedimenta o talento desta grande artista (talvez a melhor na sua área em atuação hoje no Brasil) e consolida um caminho para as mulheres no terreno do humor. Que a segunda temporada venha logo.