A comoção causada pelo trágico acontecimento com o Museu Nacional, no último domingo (2), assim como a dimensão desse ocorrido, despertou na mídia nacional, nessa semana, novos critérios de noticiabilidade. Com o objetivo de fazer com que o telespectador acredite que estamos passando por uma onda de incêndios, os valores-notícia foram alterados nas redações nos últimos dias. Em apenas dois dias após o caso no museu, outros dois incêndios foram noticiados nos telejornais nacionais.
Na noite de segunda (3), um incêndio destruiu dois casarões no centro histórico de Salvador. Na Rede Globo, no dia 4, esse fato foi noticiado nos telejornais da emissora: no Bom Dia Brasil, Jornal Nacional e no Jornal Hoje, sendo que nesse último o âncora Dony De Nuccio, ao noticiar, relembrou o caso ocorrido no Museu Nacional referindo-se ao acontecimento em Salvador como um “outro incêndio”.
Assim, o Brasil está em chamas hoje. Mas amanhã, caso queira a mídia, ele poderá estar submerso. Só depende do próximo grande acontecimento.
A notícia também foi dada no canal da GloboNews, no telejornal GloboNews Em Ponto. Na Record, a notícia foi dada no Balanço Geral Manhã. O apresentador Bruno Peruka, assim como Dony, fez associação entre os incêndios ao dizer: “Mais uma vez mais um fogo destruindo a história”.
Também na terça (4) foi noticiado ao vivo no Bom Dia Brasil um incêndio que acometeu uma distribuidora de combustível em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O helicóptero da emissora, o Globocop, fez uma breve transmissão do fogo consumindo o local.
É clara a tentativa dos meios de comunicação em tentar criar ligações entre os casos, a começar pelo simples fato de noticiá-los. Em um contexto diferente, os incêndios ocorridos em Salvador e em Duque de Caxias provavelmente não teriam sido noticiados em cadeia nacional. Eles se restringiriam aos telejornais locais. Além disso, as falas de alguns jornalistas corroboram para a criação dessa ideia de vínculo: “outro incêndio”, “mais um fogo”.
Assim é quando, por exemplo, um avião cai. Imediatamente a impressão que se tem é de que vários outros aviões começam a cair também. A população começa a criar teorias para explicar esses “fenômenos”. Entretanto, na realidade, isso tudo se trata da abordagem do Newsmaking, na qual entende-se que o jornalismo não reflete a realidade, mas sim a constrói por meio de seleções.
Através da relevância que se dá a um determinado fato, os meios de comunicação escolhem por transformá-lo ou não em uma notícia. Aproveitam-se de um caso de grande expressão e comoção, como foi o ocorrido com o Museu Nacional, para noticiarem fatos de uma mesma origem – neste caso os incêndios, que, em um outro contexto, não teriam visibilidade. Na tentativa de forçar associações e esboçar uma “epidemia”, as causas e as consequências dos acontecimentos são postas em último plano ou até mesmo ocultadas pelos meios de comunicação, os quais também simplificam e colocam em um mesmo barco questões diferentes e complexas.
Assim, o Brasil está em chamas hoje. Mas amanhã, caso queira a mídia, ele poderá estar submerso. Só depende do próximo grande acontecimento.