Não são poucos os filmes que retratam a classe média sob uma perspectiva mais crítica, porém sem falhar em atrair o olhar do espectador no dito “novíssimo cinema brasileiro”. Trabalhar Cansa (2011) certamente é um deles. Dirigido por Juliana Rojas e Marco Dutra, o filme teve exibição na mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes de 2011. Este é o primeiro longa-metragem da dupla que, juntos, já dirigiram vários curtas, em especial Um ramo (2007) e As Sombras (2009).
Se em Um ramo o enredo tem como eixo central a própria metamorfose da esposa no seu dia a dia, em Trabalhar Cansa, que, inclusive, conta com a atuação do mesmo casal (Helena Albergaria e Marat Descartes), a trama se passa de maneira mais diluída no contexto de uma classe média exaurida por sua condição e pelas dificuldades que a cercam. No filme, Otávio, um homem em torno dos seus 40 anos, perde seu emprego e, sem quase nenhuma possibilidade de retorno, acaba entrando numa depressão.
Trabalhar Cansa é um típico retrato de uma classe média que ainda é bastante apegada a superstições.
Quando Helena, sua esposa, o convence a investir num mercadinho de bairro é que as coisas começam a mudar. Inicialmente hesitante, Otávio se rende ao desejo da esposa e ela, então, passa a ajudar a pagar as contas da casa enquanto o marido está desempregado. Tudo até aí é extremamente previsível e até, de certa forma, palpável. A vontade de Helena em ser uma pequena empreendedora e, mais tarde, o desenvolvimento da personagem como uma chefe que acaba se tornando workaholic, assim como o cansaço de Otávio que perde seu posto de mantenedor da casa são todos retratos clássicos da classe média que quer manter seu status quo a qualquer custo.
Não obstante a esse quadro que é pintado pelos diretores, forma-se também uma superstição com relação à própria condição dos personagens: seja nos livros de autoajuda que Otávio passa a ler em busca de um afago, ou seja no medo constante de Helena em que a empreitada não tenha sucesso. Trabalhar Cansa é um típico retrato de uma classe média que ainda é bastante apegada a superstições como uma maneira de escape da vida real. Em meio a condições de trabalho exaustivas e pouquíssimas possibilidades de crescer financeiramente, cabe ao mito tentar dar uma resolução de vida aos personagens.
Como num conto fantástico de Jorge Luis Borges, o filme de Juliana Rojas e Marco Dutra se desenvolve completamente neste aspecto, mesmo se tratando de dar realismo ao quadro da classe média brasileira. É um cinema que, de certa maneira, une uma vocação mais engajada com pontos de inflexão fantásticos que acabam gerando uma reflexão mais aprofundada. Neste sentido, o longa não subestima a capacidade de interpretação do espectador, fugindo da narrativa comum em busca de uma resposta no sobrenatural – e consegue fazer isso muito bem.
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