Parece que tudo já foi feito quando o assunto é cinema de horror. A Forca, longa-metragem que estreia nesta quinta-feira, 23, é um bom exemplo de um filme que, em sabendo da história do gênero, faz de tudo para aproveitar suas referências, mas não obtém muito sucesso.
O filme conta a história de um grupo de estudantes adolescentes que decidem reencenar uma peça de vinte anos atrás, na qual um acidente vitimou um aluno. Três amigos que não estavam muito contentes com a encenação decidem invadir a escola durante a noite para destruir o cenário. A partir deste momento, parece que mais alguém além dos três está por lá, contudo, com um interesse diferente deles.
Com uma premissa relativamente simples, o filme fez considerável sucesso em pequenos festivais, como o Mile High Horror Film Festival. Com a força do boca a boca, a Warner Bros. tomou conhecimento e decidiu adquirir os direitos do filme. Para impulsionar sua mais nova aquisição, lançou uma campanha de marketing viral na internet utilizando o jogo “Charlie, Charlie”, uma versão norte-americana do jogo de tabuleiro Ouija.
A ação consistia em um vídeo de adolescentes jogando o tal “Charlie, Charlie” até que o lápis se mexesse. Em poucas horas, o vídeo atingiu os trending topics do Twitter, foi compartilhado diversas vezes no Facebook, YouTube e Vine. Tamanha repercussão garantiu uma estreia nos Estados Unidos, no último dia 10, com direito a 2700 salas de cinema por todo o território norte-americano.
A Forca revisita muitas estratégias utilizadas anteriormente no cinema de horror: o formato mockumentary (usado com sucesso em filmes como Bruxa de Blair, REC, Cloverfield e Desaparecidos); o elenco jovem interpretando estudantes (como nas franquias Pânico e Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado); o silêncio, ambientes escuros e claustrofóbicos (típicos dos filmes de terror asiáticos, como os japoneses Ringu, O Grito e Água Negra e o tailandês Espíritos: A Morte Está Ao Seu Lado). Não haveria nada demais nisso se não tivesse criado um ambiente em que tantas referências tornaram o longa enfadonho.
A Forca revisita muitas estratégias utilizadas anteriormente no cinema de horror. Não haveria nada demais nisso se não tivesse criado um ambiente em que tantas referências tornaram o longa enfadonho.
A escolha dos diretores (Travis Cluff e Chris Lofing) pelo formato mockumentary não apresentou uma solução bem resolvida em A Forca. A tela treme mais que o necessário, o não-enquadramento em vários instantes da película mais confundem a compreensão da trama do que alimentam o espectador com tensão. Não fosse isso o bastante, a atuação da dupla de protagonistas, Reese Mishler e Pfeifer Brown (que possuem o mesmo primeiro nome de seus personagens), é exageradamente caricata e a primeira parte do filme é muito extensa. A execução das filmagens em primeira pessoa também não convencem. Cenas como a da personagem Cassidy Spilker na escadaria do teatro não possuem explicação lógica.
Mesmo com todos esses poréns, o filme certamente se comunica com uma geração digital, mais jovem, que não tenha tantos referenciais do cinema de horror. A rápida viralização da campanha de marketing do filme deixa isso claro. Também é interessante citar que a reviravolta na parte final da trama foi bem resolvida, fugindo do óbvio, apesar das atuações não cooperarem muito.
‘A Forca’ funciona bem – mas apenas para os pouco familiarizados com filmes de horror
Por Maura Martins
Talvez o horror seja um dos gêneros fílmicos mais difíceis. Por se fundamentar na perspectiva da surpresa, do inesperado, é sempre um desafio aos realizadores encontrar novas formas de assustar, de causar ao espectador o paradoxo desejado: o prazer em sentir medo. O sucesso do horror pressupõe – ao menos em parte – não ter conhecimento das “regras do jogo”. Aparentemente, a maior parte das fórmulas já foi testada, repetida e (quase) esgotada.
A Forca descende de um formato do horror relativamente novo, que se baseia na exploração de uma linguagem imagética que pareça subjetiva e amadora, como se tudo aquilo que se vê tivesse sido registrado por câmeras nas mãos dos personagens. Este formato, por muitos chamados de mockumentary (por brincar com as convenções formais do documentário), pressupõe uma sensação maior de realidade, pois seria como se estivéssemos, nós mesmos, na cena em que os acontecimentos se passam. Isto seria um artifício para uma maior carga de sustos.
Neste sentido, A Forca funciona muito bem – desde que o espectador não tenha familiaridade com todos os filmes com que se relaciona, como Cloverfield (2008), REC (2007) e Atividade Paranormal (2007). Todos exploraram, com mais originalidade, esta estética baseada na sensação de amadorismo, de “não-cinema”. E, claro, A Forca passa a anos luz do impacto causado por Bruxa de Blair (1999), que fazia muito sentido em uma época em que a internet ainda engatinhava no Brasil e a ideia do “rumor” sobre se aquilo era cinema (ou não) ainda conseguia repercussão.
A premissa de A Forca é até interessante: um grupo de teatro escolar monta uma nova versão de uma peça, A Forca, encenada vinte anos antes, com um resultado trágico: um dos atores teria morrido por acidente durante a estreia. Obviamente, quando os novos atores se preparam para a estreia, coisas estranhas começam a acontecer.
O que prejudica o filme, por outro lado, talvez seja a superficialidade de todos os personagens, pouco desenvolvidos e resumidos a papéis um tanto óbvios: a líder da torcida, o nerd, o engraçadão amigo da turma “cool”, o atleta profissional. O padrão Malhação de construção das personagens talvez denote para quem afinal o filme fala: para os todos nascidos nos últimos vinte anos, que certamente irão fruir de A Forca. Desde que, é claro, não estejam familiarizados com os clássicos do horror.
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