O que esperar de um filme feito pelo cineasta norte-americano Martin Scorsese supostamente sobre e para crianças? A resposta: um dos melhores, e mais sensíveis, longas-metragens de sua vasta filmografia. Mas quem conhece a obra do diretor de clássicos como Taxi Driver e Os Bons Companheiros sabe que sua visão de mundo, por vezes sombria, pouco ou nada teria a ver com esse território narrativo, tão distante de seu universo habitual, não fosse ele um artista tão complexo – e completo.
A Invenção de Hugo Cabret é, sem exagero, uma obra-prima. Talvez porque, em vez de se despir de seus valores e traços criativos para mergulhar no mundo infantojuvenil, Scorsese tenha feito justamente o oposto: buscou em si mesmo o garoto nova-iorquino que, desde muito novo, se apaixonou por cinema.
Hugo (Asa Butterfield) não é de Nova York, mas da Inglaterra, e vive na Paris dos anos 30. Mais precisamente em uma estação de trem, onde faz o serviço do tio, que vive bêbado: manter em funcionamento os inúmeros relógios do local, numa época de deslumbramento com a tecnologia. Também sobrevive graças a pequenos furtos, sobretudo de comida.
Órfão, o menino está na mira de um policial (Sacha Baron Cohen), ferido na perna durante a Primeira Guerra Mundial, e de seu cão, um dobermann que se parece com o guarda. Ambos têm como missão vigiar e punir quem ameaça a ordem nos limites da estação.
Adaptação de um livro de Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret conta, fazendo o uso mais inteligente da tecnologia 3 D de que se tem notícia, a jornada de um menino em busca de amizade, de um lar, e que luta para escapar da marginalidade e da solidão.
Hugo mantém, em segredo, uma espécie de robô, deixado como herança pelo pai (Jude Law), um relojoeiro morto em um incêndio antes de explicar para que servia a máquina, ou como fazê-la funcionar. E o filho guarda a esperança de que a criatura metálica, quando for acionada, de alguma forma torne sua vida menos solitária.
Na mesma estação, o garoto também anda às turras com um certo senhor de idade (Ben Kingsley), dono de uma oficina de brinquedos. Sua afilhada, Isabelle (Chloë Grace Moretz), uma garota inteligente, fascinada por livros, se torna amiga e companheira de aventuras de Hugo – é emocionante a sequência em que os dois vão juntos, pela primeira vez, ao cinema, refúgio favorito do garoto e onde ela jamais tinha posto os pés, proibida pelo padrinho.
Adaptação de um livro de Brian Selznick, A Invenção de Hugo Cabret conta, fazendo o uso mais inteligente da tecnologia 3D de que se tem notícia, a jornada de um menino em busca de amizade, de um lar, e que luta para escapar da marginalidade e da solidão. E é também uma deslumbrante homenagem ao cinema, sobretudo àquele feito pelo diretor francês George Méliès (1861-1938), pioneiro na utilização do invento dos irmãos Lumière para contar histórias fantásticas, já com toques de ficção científica, como o clássico Viagem à Lua (1902).
O longa-metragem de Scorsese, militante da preservação da memória fílmica, de certa forma dialoga com O Artista, do francês Michel Hazanavicius, que, injustamente, lhe tirou o Oscar de melhor filme naquele ano – Hugo acabou levando cinco estatuetas: melhor fotografia, direção de arte, som, edição de som e efeitos visuais. Mas, enquanto este fala do cinema mudo, condenado à extinção frente à inevitabilidade do sonoro, A Invenção de Hugo Cabret dedica-se a louvar a eternidade desse primeiro cinema, e não sua morte.
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