O italiano Nanni Moretti, diretor vencedor da Palma de Ouro em Cannes por O Quarto do Filho (2001), tem um olhar politizado da vida, sem, no entanto, tropeçar em um cinema panfletário. Seu novo longa-metragem, Mia Madre, em cartaz nos cinemas brasileiros, é uma abordagem sobre a vida, ou neste caso, sobre a morte e nossa dificuldade em aceitar o ciclo da vida. Mas o longa é, também, um recorte sobre a Itália, com delicadas reflexões sobre a crise econômica e social do país europeu a partir de uma abordagem mezzo autobiográfica, mezzo metalinguística.
Inspirado na morte da própria mãe do diretor durante a pós-produção de Habemus Papam, Mia Madre conta a história de Margherita (Margherita Buy), uma diretora que vive a angústia pela iminente perda da mãe, doente e internada em um hospital, e pela complicada produção de seu filme, Noi Siamo Qui (Nós Estamos Aqui), principalmente por conta das dificuldades causadas pelo vaidoso ator norte-americano Barry Huggins (interpretado por John Turturro).
Huggins é arrogante, mais preocupado em ser um galanteador do que um ator. Isso faz com que o filme de Margherita não renda o esperado, parte pela dificuldade em lidar com o estrelismo de seu astro internacional, parte por sua dificuldade em lidar com a possível morte da mãe. Dramático, Moretti (que também assina o roteiro, juntamente com Francesco Piccolo e Valia Santella) nos apresenta um filme delicado e potente, com críticas sutis (e outras nem tanto).
Mia Madre, em cartaz nos cinemas brasileiros, é uma abordagem sobre a vida, ou neste caso, sobre a morte e nossa dificuldade em aceitar o ciclo da vida.
O diretor usa o personagem de Turturro como uma boa válvula de escape à tensão. Ele é um apanhado de todos os clichês que conhecemos (e alguns que devemos desconhecer) sobre o mundinho hollywoodiano. Ao mesmo tempo, Mia Madre é centrado no papel de uma cineasta, o que joga luz ao debate sobre questão de gênero no cinema. Mesmo que despretensiosamente (e, conhecendo a filmografia de Moretti, difícil crer que seja despretensioso), o diretor abre espaço para refletir, também, sobre as relações de poder quando temos no centro uma mulher – vale lembrar as pesquisas divulgadas no último ano sobre a presença feminina em Hollywood e também no cinema nacional, abordadas em análise feita pela Escotilha (leia aqui).
A brilhante forma com a qual o diretor conduziu seu elenco (inclusive a si mesmo) é ponto a se destacar. Turturro está desenvolto em seu personagem, trazendo certa comicidade ao longa-metragem, enquanto Margherita Buy faz uma atuação sensível, comovente. Ambos fazem até com que se releve a presença excessiva de Moretti (como Giovanni, irmão de Margherita) na tela. No mais, o filme é repleto de cenas curiosas (como a diretora vendo sua família na fila do cinema) e tocantes (o desespero da filha simplesmente pelo pedido de sua mãe para que descanse), evidenciando a humana dificuldade em aceitar coisas tão simples como o ciclo da vida.
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