Até que ponto temos controle sobre o que nos atormenta? Será que podemos nos antecipar aos percalços do nosso futuro ou é simplesmente impossível lutar contra o destino? Todas estas questões, possivelmente, nunca terão respostas, mas quando são refletidas em um empolgante western, se tornam ótimas de assistir. E nenhum filme melhor que Onde os Fracos Não Têm Vez, de Ethan e Joel Coen, para ilustrar isso.
Baseado no livro de Cormac McCarthy, o longa se desenrola após o caçados Lewelyn Moss (Josh Brolin) se depara, no deserto, com o que sobrou de uma negociação de drogas, que provavelmente deu errado e resultou no assassinato de praticamente todos os envolvidos.
Moss encontra uma maleta cheia de dinheiro, que além das incontáveis notas, possui um rastreador. Com isso, o brutal matador de aluguel Anton Chigurh (Javier Bardem) é contratado para recuperar a mala, e não hesitará em matar qualquer um que dificulte sua missão.
Poderia ser, como as bases apontam, mais uma comum história de “gato e rato”, mas a habilidade dos irmãos Coen para discutir temas como consciência e destino faz com que o patamar do filme se eleve, principalmente pela força do personagem de Bardem.
Onde os Fracos Não Têm Vez é muito mais do que um western. O longa dos irmãos Coen é uma reflexão sobre bagagem emocional em um pano de fundo irresistível, de qualidade reconhecida também pela Academia, que premiou o longa com o Oscar de melhor filme, diretor e roteiro adaptado.
Anton Chigurh é, na verdade, a personificação de todas as angústias e medos que carregamos em nossas vidas. Seus diálogos e reflexões são minuciosamente desenvolvidos para que, sempre que o matador está presente, reflitamos sobre como, quase sempre, pensamos que temos as situações controladas, quando na verdade apenas condicionamos nossas vidas tentando fugir de medos e preocupações.
Chigurgh é, por natureza, sombrio (o que seus cabelos e roupas pretas logo acusam), e, sempre que entra em algum ambiente, a fotografia excepcional de Roger Deakins faz questão de gradativamente escurecer, explicitando a capacidade do assassino, e do que ele representa, de tornar qualquer contexto nefasto e amedrontador.
Além disso, o olhar fixo e obstinado que Javier Bardem dá a seu personagem logo estabelece a noção de dominância – a atuação do espanhol lhe rendeu o Oscar de melhor ator coadjuvante -, um perseguidor implacável que nunca estará em desvantagem em relação ao errante Lewelyn Moss.
Até mesmo a tensão da obra é desenvolvida para que a imersão não seja apenas visual, mas subjetiva e psicológica. Além de constantes e cadenciados travellings frontais – que brilhantemente transmitem a noção de aproximação de uma ameaça -, os irmãos Coen dão ritmo ao filme a partir de planos-detalhe, valorizando diversos objetos e suas funções, como o peculiar cilindro de ar comprimido utilizado por Chigurgh.
Estes planos não só valorizam a estética do design de produção de Nancy Haigh e Jess Gonchor, como indicam um detalhado trabalho de storyboard, seguido à risca pelos diretores. Em complemento, a opção pelo silêncio em diversas sequências torna tenso até mesmo o som de uma moeda girando sobre a mesa, e a montagem impecável de Roderick Jaynes (pseudônimo dos irmãos Coen), praticamente encurrala Moss a todo momento de sua fuga.
O filme faz questão de lembrar que todas as diferenças e antagonismos entre os personagens foram impostos pelo acaso (destino?), e que, em circunstâncias normais, todos estão unidos por esse mesmo acaso, ou seja, pela falta de controle sobre nossas vidas e pela impossibilidade de fugir de qualquer medo, angústia ou ameaça. O que todos tem em comum é, no fim das contas, o tom pessimista que resolve, de maneira muito eficaz, a alegoria proposta pelo longa.
Onde os Fracos Não Têm Vez é muito mais do que um western. O longa dos irmãos Coen é uma reflexão sobre bagagem emocional em um pano de fundo irresistível, de qualidade reconhecida também pela Academia, que premiou o longa com o Oscar de melhor filme, diretor e roteiro adaptado. A obra não só é uma aula de como agregar força a um personagem – Anton Chigurh é um dos melhores da filmografia de Ethan e Joel -, como uma verdadeira celebração à coletividade do cinema.
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