Quando pensei que esse poderia ser o tema de um texto, eu já tinha visto o fenômeno Que Horas Ela Volta?, da cineasta Anna Muylaert, por duas vezes –a primeira foi logo depois da estreia, ainda antes do frisson nacional e da corrida aos cinemas. Para concluí-lo, assisti o longa pela terceira – sempre com relativa atenção aos comentários baixinhos (alguns, nem tanto assim), que acabam acontecendo na projeção.
Por isso, cuidado: caso o leitor ainda não tenha visto o filme e não queira spoilers, esse não é o texto ideal.
Genial. Acredito que seja essa a definição mais honesta para a história construída pela cineasta, que toca na ferida aberta da desigualdade e da exploração que é legitimada por todos nós. E é por isso que o drama protagonizado por Val (Regina Casé) e Jéssica (Camila Márdila) causa tanta “vergonha alheia”. O que considerávamos “normal” até então, passou a ser motivo de embaraço total.
Ainda bem, o filme de Anna não ficou apenas no âmbito cult que é reservado para muitas produções brasileiras de qualidade semelhante. Não fez sucesso apenas em festivais internacionais, como o de Berlim e Sundance, e permaneceu escondido no país. Que Horas Ela Volta? teve uma escalada incrível nas bilheterias. E o melhor: motivado pelo próprio público, pelo boca a boca que decretava: “vá ver esse filme agora!”.
Que Horas Ela Volta? teve uma escalada incrível nas bilheterias. E o melhor: motivado pelo próprio público.
A comoção gerada – Anna recebeu várias cartas emocionadas de cinéfilos de todo o Brasil (pediram até que ela reúna os relatos em um livro) – foi maior do que a antipatia (mas há quem diga que “não gostou muito”).
O silêncio durante a exibição não é uma constante no filme, e os comentários escapam, espontâneos. Pelo menos uns 90% deles envolvem a personagem Jéssica.
Alguns que recordo e divido aqui:
“Ih, e ela (Val) vai mesmo servir nas xícaras cafonas! Que sem noção!”.
“Meio abusada ela (Jéssica), né?”.
“Nossa, mas essa Jéssica é muito metida!”.
“Ai, que convencida essa Jéssica!”.
“Mas tudo é modernista pra essa Jéssica?”.
“Nossa, duvido que ela (Jéssica) vá passar no vestibular!”.
“Acho que ela (Jéssica) vai se apaixonar pelo Carlos”. (O que acontece no filme é justamente o contrário, e ele não é nada correspondido).
“Aaaaffff, pegou o sorvete! Iiihhh, olha a Bárbara. Ferrou!”.
“Vai almoçar com o Carlos? Que tipo dessa Jéssica!”.
“Vixi, tá na piscina e a Bárbara viu. Ferrou”.
“Meio irreal ela passar no vestibular, né?”.
“Tá certa a Bárbara. Tem que deixar ela (Jéssica) da porta pra lá mesmo, para ela não ser metida”.
“Meio quieto esse filme, né? Sem música…”.
“Falaram tanto, mas achei a história meio chata”.
“Hum! Não é grandes coisa esse filme!”.
Estou curiosa para saber os comentários que os leitores ouviram pelas salas de cinema.
Que Horas Ela Volta? continua em cartaz em várias cidades do país. Em Curitiba, o filme pode ser visto no UCI do Shopping Estação. Confira a crítica do filme clicando aqui.
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