O cineasta Steven Spielberg, por mais que seja um dos diretores mais conhecidos e populares do mundo, é, também, um profissional profundamente norte-americano. Ainda que nem todos os seus filmes abordem aspectos da história e da sociedade dos Estados Unidos, muitos deles, como Lincoln (2012), O Resgate do Soldado Ryan (1998) e Amistad (1997), têm a ambição de trazer à contemporaneidade episódios, personagens e temáticas intimamente ligados à identidade de seu país, sem o pudor de deixar entrever o seu amor e orgulho pela pátria.
A essa linhagem de longas-metragens pertence Ponte dos Espiões, que estreia no Brasil apenas uma semana depois de entrar em cartaz nos cinemas norte-americanos, coberto de elogios dos críticos de lá, que o colocam entre os possíveis indicados ao Oscar em várias categorias.
Trata-se de um belo trabalho, em todos os aspectos. Narrado com contenção, e extrema elegância, a trama flui sobre a tela como um clássico instantâneo. Não se trata exatamente de um filme de espionagem, mas de um drama histórico que tem como pano de fundo a Guerra Fria, e as atividades exercidas por agentes secretos dos Estados Unidos e da União Soviética no pós-Segunda Guerra Mundial. Vale dizer aqui que os irmãos Ethan e Joel Coen escreveram o roteiro, ao lado de Matt Charman, o que explica os diálogos afiados e a precisão com que a história, verídica, é apresentada ao público.
Narrado com contenção, e extrema elegância, a trama flui sobre a tela como um clássico instantâneo.
No centro do enredo está Rudolf Abel (o excepcional ator britânico Mark Rylance), um espião russo preso pelo FBI, cuja defesa é delegada ao advogado James B. Donovan (Tom Hanks, em sua melhor atuação nos últimos anos), um personagem sob medida para o cinema de elevados princípios de Spielberg, que se aparenta ao personagem interpretado pelo ator em O Resgate do Soldado Ryan.
Donovan, contra tudo e todos, não mede esforços para que Abel tenha um julgamento justo e, apesar de ser um inimigo, seja tratado com dignidade. Enquanto o advogado se ocupa desse caso, dois outros fios narrativos são desenvolvidos: em um deles, um jovem militar, Francis Gary Powers (Austin Stowell), transformado em agente da CIA, é capturado em uma mal sucedida missão de espionagem em território soviético; no outro, o estudante Frederic Pryor (Will Rogers) é detido na Alemanha Oriental, também sob a acusação de espionagem.
Um dos pontos altos do filme de Spielberg é conseguir captar, sem exageros e com um olhar distanciado e crítico, toda a paranoia anticomunista que se espalhou pelos Estados Unidos durante os anos que sucederam o fim da Guerra, o medo disseminado entre a população de um ataque nuclear dos soviéticos, vistos como a encarnação do mal.
Donovan, ao decidir lutar pelos direitos de um agente dessa “força maléfica”, é hostilizado, assim como sua família. Até que o governo norte-americano o convoca para uma missão ainda mais pedregosa: tentar trocar Abel por Powers e Pryor, em uma complexa negociação diplomática para a qual o advogado tem de ir a Berlim, uma cidade dividida, às vésperas da construção do muro.
O ótimo roteiro e a direção sóbria (a fotografia de Janusz Kaminski tem papel fundamental nisso), contida até, de Spielberg fazem com que Ponte dos Espiões seja um filme sem arrebatamentos, exceto talvez por seu desfecho, emocionante, e que exige muita atenção do público, para que nenhum detalhe seja perdido. Nesse aspecto se aproxima bastante de Lincoln, outro vigoroso trabalho de Spielberg, em que o diretor também opta pela sutileza.
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