Silvio Tendler tem um histórico e tanto. Nascido em 1950, chegou a viver no Chile antes de ir para a França, durante os anos 1970, estudar História pela Universidade de Paris VII e obteve Mestrado em Cinema e História, pela École de Hautes-Études/Paris, mais conhecida por Sorbonne.
Dentre seus filmes de maior renome estão Os Anos JK (1980) e Jango (1984). É de se imaginar que alguém com um background político e histórico tão vasto iria dirigir um documentário como Utopia e Barbárie (2009), longa-metragem que demorou cerca de dezenove anos para ser filmado em nada mesmo do que quinze países.
O documentário se guia pela busca de duas palavras que, de acordo com o realizador, caminharam juntas nos cinquenta anos que prosseguiram a Segunda Guerra Mundial: a “utopia” — o sonho de uma revolução dos movimentos sociais ao redor do mundo, especialmente após maio de 1968 na França, baseadas pela Revolução Russa de 1917 — e a “barbárie” — as guerras de independências na África e na Ásia, as ditaduras latino-americanas e a disseminação do neoliberalismo descontrolado em todas as regiões do mundo. Claramente com um viés mais progressista, Tendler, no entanto, não deixa de dialogar com o outro lado, apesar da preferência política.
Em ‘Utopia e Barbárie’, as atrocidades históricas e a esperança de um futuro mais igualitário caminham lado a lado.
São muitos personagens e é uma vasta pesquisa, que percorre desde intelectuais de renome mundial, como uma entrevista com a escritora Susan Sontag, até mesmo personalidades brasileiras, como o poeta Ferreira Gullar. Em seu passeio pela história mundial, Silvio acumula um punhado de entrevistas históricas.
Nem o emblemático escritor uruguaio Eduardo Galeano escapa da mira do documentarista. São todas peças fundamentais para ajudar a entender o mundo, a política, a arte, a sociedade e a história de um período tão conturbado quanto a segunda metade do século XX.
É inegável também que há em Utopia e Barbárie uma ligação com o seu próprio documentarista. Ao revisitar as raízes judaicas e analisar o sonho dos kibbutz de Israel (uma espécie de regime socialista nas terras palestinas), Tendler destaca à história israelita um protagonismo bastante curioso, mesmo sem tratar dos demais países do Oriente Médio neste ínterim.
Natural, aliás, para um documentário que nasce da premissa de uma longa derrocada da humanidade com os massacres das bombas de Hiroshima e Nagasaki na Segunda Mundial e que evoca o passado tenebroso dos campos de concentração na Alemanha nazista.
O contraste entre as atrocidades cometidas pela humanidade — como sempre justificadas por um “bem maior” — e a irrevogável esperança de um futuro mais igualitário são uma constante no filme de Silvio Tendler. Uma das cenas mais chocantes é do fatídico áudio da gravação que aprovou o AI-5 em 1968, durante a ditadura militar no Brasil.
“A memória é um espaço de luta política. E temos que conhecer a memória que querem ocultar, que querem esquecer, que querem nos anestesiar”, cita Martín Almada, ativista de direitos humanos entrevistado por Tendler. Em momentos de risco de barbárie, olhar para o passado é essencial para que possamos entender o presente — e o documentário de Tendler convoca todos para que o façamos.
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