Março de 2000. Três da tarde, saguão do aeroporto de Frankfurt. Estou sentada à espera do voo que me levaria de volta ao Brasil. Quando tiro os olhos da página do livro vejo Nick Cave, a poucos metros a minha frente.
As pernas amolecem e o grito vai para dentro. A decisão foi ficar ali onde estou, procurando manter o controle de dois sentidos que ainda funcionam – o olhar e o pensar. E assim faço porque sempre me lembro de uma fala do Bukowski: “nunca conheça seu ídolo de perto”. Não que eu sempre siga isso à risca, mas naquele dia achei melhor só contemplar.
Abril, 2015. Mais uma vez estou cara a cara com ele. Na sala do cinema passa Nick Cave – 20.000 Dias na Terra. Dirigido pelos ingleses Iain Forsyth e Jane Pollard, o documentário narra 24 horas da vida de Nick, que é australiano, mas vive em um dos lugares mais bacanas da Inglaterra – Brighton, cidade costeira do país. Quem assistiu à Quadrophenia, filme baseado no álbum homônimo do The Who, vai lembrar-se do lugar. Foi lá, em 1979, que rodaram a cena mais incrível do filme.
Durante os cerca de 90 minutos de filme, Nick passeia por vários contextos. Das lembranças da infância, da perda precoce do pai, dos medos, do processo de criação e do passado obscuro com as drogas e a ex-banda The Birthday Party.
Filmado antes e durante a gravação de seu último disco ‘Push The Sky Away’ (2013), o longa não teve roteiro programado. Tudo foi gravado ao acaso. Mas, claro, um acaso de alguma forma organizado.
O filme tem cenas do cotidiano do músico que incluem ensaios, gravações, conversas com Warren Ellis, amigo e parceiro musical de Nick, desde 1994 e que o acompanha até hoje com os The Bad Seeds. E um pouco da vida em família.
O cantor, que já foi casado com uma brasileira e morou alguns anos em São Paulo, vive há mais de 15 anos com a ex-modelo Susie Bick, com quem tem dois garotos gêmeos. Susie é a moça que aparece na capa do Phantasmagoria, do The Damned, lançado em 1985. Ela também foi modelo da estilista Vivienne Westwood por dez anos. Mais musa impossível.
Durante os cerca de 90 minutos de filme, Nick passeia por vários contextos. Das lembranças da infância, da perda precoce do pai, dos medos, do processo de criação e do passado obscuro com as drogas e a ex-banda The Birthday Party.
Sentado em frente ao psicanalista, Nick conta, sem rodeios, como foi viver chapado naquela época. A bem da verdade ele não lembra muito sobre o que realmente aconteceu nos anos 1980, por conta da sua dependência em heroína.
Ganhador de dois prêmios no Festival Sundance de Cinema, em 2014 (melhor direção e edição em documentário), 20.000 Dias na Terra tem como carro-chefe a canção “Push the Sky Away” (que leva o nome do álbum). Aqui achei que ele poderia ter aberto mais o horizonte. “Mermaids” e “Wide Lovely Eyes”, músicas tão belas quanto à canção título, fizeram falta.
Alguns dizem que o filme é somente para os fãs do músico. Alguns o criticam dizendo que é Nick Cave mais marqueteiro do que nunca, até por que foi ele o coautor do longa. Talvez seja isso mesmo. Ainda assim é impossível sair do cinema indiferente. Alguma coisa ele vai te provocar. Em mim, a urgência de vê-lo ao vivo. Na primeira fila, como ele mesmo sugere.
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