“Há uma quinta dimensão além daquela conhecida pelo homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e sem tempo como o infinito. É o meio termo entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição, e fica no poço dos medos humanos e no cume do conhecimento. Esta é uma dimensão da imaginação. É uma área que chamamos de Além da Imaginação.”
O parágrafo acima transcreve o monólogo que serve como abertura de todos os episódios da série clássica Além da Imaginação, transmitida entre 1959 e 1964. Criado por Rod Serling, o programa apresentava uma história diferente por semana com foco na ficção científica e na fantasia.
Sempre achei que o título brasileiro não fazia jus ao original, The Twilight Zone. Especialmente se pensarmos no modo como Serling, que também servia de narrador para a atração, se referia à zona crepuscular como um espaço real, que supostamente existiria entre o nosso mundo e a ficção.
A estratégia de inventar um local abstrato em que as histórias se passavam parece resolver o problema da disparidade entre os episódios da atração. Afinal, enquanto representa uma vida de luxúrias como o inferno em “Nice Place to Visit” em uma semana, na outra há um passageiro de um voo atormentado pela visão de uma criatura do lado de fora da aeronave em “Nightmare at 20.000 feet”.
O medo surge daquilo que não conhecemos, defenderia H.P. Lovecraft. Mas é preciso que haja algum tipo de familiaridade na narrativa de horror para que o público efetivamente se envolva com a obra.
Essa noção de que a zona crepuscular é uma ambientação efetiva para diferentes enredos também pode servir como um conceito interessante para refletir sobre o cinema de horror. Como comentei há algum tempo (leia mais), Stephen King afirmou em diversas ocasiões ser um entusiasta do seriado criado por Serling, que via quando criança. O mesmo vale para diretores como Steven Spielberg, Joe Dante e John Landis, responsáveis pela adaptação cinematográfica do programa em No Limite da Realidade (1983).
É possível encontrar várias proximidades entre os roteiros de Além da Imaginação, os livros de King e filmes como Tubarão (1975), Gremlins (1984) e Um Lobisomem Americano em Londres (1981). Todos eles partem de uma narrativa naturalista, que mostra elementos de um mundo que conhecemos tensionado por experiências fantásticas. Nesse sentido, são tramas que podem perfeitamente habitar a tal zona crepuscular.
O termo twilight zone era usado para definir condições de visibilidade na aeronáutica dos Estados Unidos antes de ser escolhido como título da atração. A luz determinava nesses casos o que era ou não visível aos pilotos. De certa forma, ocorre algo semelhante com a projeção de imagens em uma tela de cinema ou televisão. Ouso até afirmar que essa zona crepuscular, como está no limite da realidade, também dá as caras no nosso cotidiano. Discursos de jornalismo que legitimam fantasmas, relatos de marinheiros que avistam criaturas no oceano e gente que diz que foi abduzida são alguns exemplos de como é possível experimentar esse limite do fantástico no mundo material.
O medo surge daquilo que não conhecemos, defenderia H.P. Lovecraft. Mas é preciso que haja algum tipo de familiaridade na narrativa de horror para que o público efetivamente se envolva com a obra. A dimensão da imaginação conceitual de Serling materializa o que é reconhecível e o confronta com o estranho. É ali que, diariamente, os monstros nos atormentam dentro e fora de nossos pesadelos.