Desde meados do ano passado, o conceito de pós-verdade se tornou um dos grandes dilemas da imprensa. A ideia se popularizou durante a campanha eleitoral que consagrou a vitória de Donald Trump. Entre os eleitores republicanos, era fato consumado que Barack Obama fundou o Estado Islâmico e é muçulmano, e que Hillary Clinton devia estar na cadeia por assassinato.
A veracidade das informações importou pouco para os apoiadores do milionário, que queriam acreditar nessas versões independente das provas. Algo semelhante ocorreu no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, em 2014. Um site de notícias falsos vazou que o doleiro Alberto Youssef, então peça-chave da Operação Lava-Jato, tinha morrido na prisão sob circunstâncias misteriosas na véspera da votação. A mentira circulou como verdade até mesmo quando os jornais noticiavam o contrário.
A ideia de pós-verdade não parece tão nova quando levamos em conta áreas da imprensa que não se preocupam tanto com política. Desde meados do século XIX, veículos populares investem em relatos absurdos e fantásticos, como invasões alienígenas e nascimento de demônios em centros urbanos. Programas de linguagem jornalística de canais fechados, como o History Channel, costumeiramente afirmam a existência de monstros gigantes, discos voadores e perigosas sereias. O mundo pode ser o que se diz sobre ele.
A lenda de Slenderman nasceu de forma espontânea e rapidamente se transformou em uma produção colaborativa. Internautas forjaram informações sobre o monstro, modificaram imagens que provam sua existência e criaram vídeos que supostamente continham aparições.
Recentemente, a HBO exibiu um documentário de horror que parece fazer um alerta sobre os perigos da perda de valor na verdade. Beware the Slenderman (2016), de Irene Taylor Brodsky, investiga o caso de uma menina que foi esfaqueada por duas amigas em maio de 2014, em Wisconsin, nos Estados Unidos. Anissa Weier e Morgan Geyser, então com 12 anos, cometeram o crime inspiradas por Slenderman, mito criado na internet em 2009.
A criatura tem o corpo de um homem, apesar de não ter rosto. Usa um terno, que simula uma imagem paterna, e pode ter tentáculos que saem de suas costas. Trata-se de um ser que ameaça e protege crianças. A lenda de Slenderman nasceu de forma espontânea e rapidamente se transformou em uma produção colaborativa. Internautas forjaram informações sobre o monstro, modificaram imagens que provam sua existência e criaram vídeos que supostamente continham aparições. Anissa e Morgan consumiam desses produtos e tinham o caso como verdade.
O documentário mostra como as jovens aceitaram a existência do personagem, apesar de retirar as informações sobre ele de fontes pouco confiáveis. A vontade de crer prevalecia sobre a dúvida. Posteriormente, uma delas foi diagnosticada com esquizofrenia, o que poderia indicar como o caso se tornou tão grave.
Beware the Slenderman serve como interessante reflexão sobre o modo como atribuímos realidade às informações que chegam a nós. Nas redes sociais, um leitor com senso crítico apurado sabe dizer quando um site parece suspeito. Falta mais cuidado dos demais usuários, que chegam a se tornar violentos ao querer muito acreditar naquilo que leem na internet.