Há uma natureza bastante conservadora nos filmes de horror que tratam de possessões demoníacas. Isso se dá, muitas vezes, pelo modo como essas narrativas constroem suas ameaças a partir de um ponto de vista religioso, não raro reforçando uma mensagem cristã para seus espectadores.
Títulos como Invocação do Mal (2013), O Último Exorcista (2010) e O Exorcismo de Emily Rose (2005) olham para o mal como o elemento desconhecido. Muitas vezes, fenômenos sem explicações fáceis são atribuídas como evidências da existência do diabo. Nesses casos, o que salva é a fé em Jesus Cristo.
O tema ganha contornos ainda mais complexos quando as tramas usam objetos e ícones de outras culturas para materializar o mal. Em O Exorcista (1973), o personagem de Max von Sydow encontra, no Iraque, uma estátua de Pazuzu. A demonização de uma imagem religiosa em um país marcadamente muçulmano soa, no mínimo, eurocêntrica – para não dizer preconceituosa.
Como público, precisamos estar alertas para não adotarmos a ficção como regra, temendo religião e práticas que nos são estranhas.
Em A Freira (2018), o diretor Corin Hardy e o roteirista Gary Dauberman contam a origem do demônio Valak, visto em Invocação do Mal 2 (2016). A criatura, que assume o manto de uma freira, teria sua origem em um ritual ocultista durante a Idade Média. Uma relíquia cristã e a presença de cavaleiros templários teriam impedido que a entidade invadisse o mundo naquela época.
A referência ao sangue milenar de Jesus Cristo e às Cruzadas dão uma boa noção de como a produção olha para o passado ocidental. Historicamente controversos, um por ser uma conhecida farsa católica para angariar dinheiro de fiéis e o outro por promover violentos conflitos pelo domínio de terras em nome da Igreja, esses temas ganham contornos heroicos e se tornam o motivo pelo qual os personagens são salvos.
Em um artigo para a Vice de 2016, Josiah Hesse afirma que muitos longas-metragens de horror condenam a fé em religiões que não são cristãs, enquadrando-as como sinistras. O autor defende, inclusive, que produções como as do universo de Invocação do Mal – que inclui Annabelle e a própria A Freira – são intencionalmente criadas como propagandas do cristianismo. A afirmação de que alguns desses enredos são baseados em fatos reais só reforça essa ideia.
Nada disso parece tirar a validade da experiência cinematográfica dessas obras, que continuam eficientes na construção de grandes imagens e de ambientes de medo. Como público, porém, precisamos estar alertas para não adotarmos a ficção como regra, temendo religião e práticas que nos são estranhas – simplesmente identificando-as como demoníacas.