Depois de atuar como animador da Walt Disney, o cineasta Tim Burton costumava dizer que havia se frustrado muito com a construção de personagens fofos. De acordo com o relato do jornalista Paul A. Wood, presente no livro O Estranho Mundo de Tim Burton, o diretor guardou tanto rancor pela animação de O Cão e a Raposa (1981) que começou a trabalhar no desenvolvimento de projetos mais sombrios como Vincent (1982), Frankenweenie (1984) e o poema que se tornaria O Estranho Mundo de Jack (1993), possivelmente a maior ode cinematográfica já feita ao feriado de 31 de outubro.
Hoje consolidada como um clássico recente da animação do estúdio, o filme de stop motion levou anos para sair do papel. Reconhecida pelos títulos voltados para a família, a Disney não queria envolvimento com uma produção cheia de monstros cruéis, pedaços de corpos e cenas de tortura. Quando a produção finalmente saiu do papel, foi pelo selo Touchstone Pictures. Como Burton estava envolvido com Batman: O Retorno (1992), a direção ficou a cargo de seu colega Henry Sellick, com quem havia trabalhado em O Cão e a Raposa.
O enredo explora, quase de forma ensaística, as similaridades (a festividade, as fantasias e as surpresas) e as diferenças (os signos alegres, o bom comportamento e a comunhão) entre cada celebração.
Em um ensaio sobre O Estranho Mundo de Jack para o livro Tim Burton, Tim Burton, Tim Burton…, o pesquisador brasileiro Lúcio Reis Filho afirma que a produção lida com a liminaridade do Halloween. A festa, escreve o autor, é naturalmente um espaço de limites entre o paganismo e o cristianismo, entre a suspensão de regras e o comportamento tradicional e entre a magia e a realidade. Trata-se de um filme que inventa realidades imaginárias para a celebração, brincando com o horrível o adorável.
É nesses limites difusos que a animação se perpetua como uma narrativa que discorre tanto sobre o Halloween quanto sobre o Natal. O enredo inclusive explora, quase de forma ensaística, as similaridades (a festividade, as fantasias e as surpresas) e as diferenças (os signos alegres, o bom comportamento e a comunhão) das celebrações. Há reflexões sobre o que significa um presente nas duas festas e qual o papel dos objetos decorativos de cada uma.
Na ambientação da trama em um mundo de Halloween, Burton e Sellick projetam nosso próprio fascínio no macabro. Lobisomens, vampiros e criaturas moribundas são apenas personagens de um universo repleto de funcionários dedicados a realizar o desejo de parte da sociedade norte-americana de, por uma noite no ano, expurgar os fantasmas e assombrar os vizinhos com fantasias de monstros. Jack, o protagonista, é o rei dessa cerimônia e entra em crise com a função que cumpre em sua sociedade. A depressão o leva a negar a sua própria natureza e o estimula mexer com rituais natalinos, levando o horror para uma época em que ninguém quer ser horrorizado. De um modo bastante contundente, é como se o filme dissesse ao seu público que a natureza humana sombria deve ser abraçada no fim de outubro para que todos possam curtir o fim do ano livres de seus fantasmas.