Com quatro curtas-metragens dirigidos por mulheres, o maior mérito da antologia XX (2017) é o de levar o espectador a pensar sobre os medos que habitam o universo feminino. O pavor de viver distante da família, de traumatizar os filhos enquanto criança ou de ser rejeitado por eles quando se tornarem mais velhos são alguns dos temas que aparecem na produção.
A primeira história, de Jovanka Vuckovic, é sobre uma mãe de família que assiste, impotente, ao definhamento do filho, que deixou de comer depois de ver o que tinha dentro de uma caixa. O próximo segmento, comandado por St. Vincent, mostra outra mãe, que precisa esconder o corpo do marido para salvar o aniversário da filha.
A terceira narrativa, dirigida por Roxanne Benjamin, acompanha uma jovem que é possuída por um demônio e mata os colegas que a provocavam durante um acampamento. O último curta, assinado por Karyn Kusama, é uma espécie de sequência de O Bebê de Rosemary (1968), no qual o pai demoníaco resolve tirar o filho dos braços da mãe quando o rapaz está quase saindo da adolescência.
O horror não apenas tem sido acusado de machismo, como perpetuou a ideia da mulher como vítima.
Se o cinema é um homem branco heterossexual e cristão, como dissemos aqui na Escotilha em um célebre ensaio, XX parece estar tentando fazer a sua parte para aliviar um pouco essa característica. Este ano, Corra! (2017), de Jordan Peele, já havia mostrado que, ao adicionar mais diversidade por trás das câmeras, é possível dar mais sensibilidade ao gênero e expandi-lo para novos horizontes de críticas sociais.
Historicamente, o horror não apenas tem sido acusado de machismo, como perpetuou a ideia da mulher como vítima – geralmente a ser salva por uma figura masculina normativa. Drácula (1931), King Kong (1933) e O Monstro da Lagoa (1954) são alguns exemplos clássicos dessa situação, reproduzida em centenas de títulos Hollywood afora.
Subgêneros como os slasher films foram particularmente acusados de meios de exposição do corpo e da violência contra mulheres. Curiosamente, essas obras são repletas de personagens femininas fortes, capazes de enfrentar a ameaça com mais resistência e determinação do que os homens. A pesquisadora Carol J. Clover, autora de Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror Film, cunhou o termo final girls para definir as garotas que geralmente são as únicas sobreviventes dessas narrativas e também são responsáveis pelo fim do assassino que as persegue.
Uma das únicas mulheres a dirigir um slasher, Amy Holden Jones recheou O Massacre (1982) de ironias e comentários sociais sobre a incapacidade de homens lidarem com situações de perigo. Embora abuse das cenas de nudez, o filme merece uma revisão por apresentar a mesma sensibilidade sobre o universo feminino abordado em XX. Observadas por um maníaco que escapou da prisão, as personagens conversam sobre banalidades da escola, o corpo masculino e a imbecilidade de seus potenciais namorados. Os diálogos humanizam as personagens e dão uma dimensão mais ampla às vítimas, algo incomum em tramas do tipo.
Embora não sejam muito numerosas, outras diretoras trabalharam com o horror nas últimas décadas. É o caso de Mary Lambert (O Cemitério Maldito, 1989), Kathryn Bigelow (Quando Chega a Escuridão, 1987), e Mary Harron (O Psicopata Americano, 2000). Recentemente, uma nova geração de mulheres tem ajudado a promover uma renovação no gênero. Além das cineastas envolvidas com XX, o movimento também é associado a Jennifer Kent (O Babadook, 2014), Ana Lily Amirpour (Garota Sombria Caminha Pela Noite, 2014) e Julia Ducournau (Raw, 2017), entre outras.