A saudável repercussão de A Bruxa (leia mais) nas últimas semanas foi cercada por um debate paralelo sobre a obra não provocar medo. “É bem dirigida, bonita e relevante. Mas não funciona bem porque não assusta”, escreveu um conhecido nas redes sociais. O questionamento traz um ponto interessante para retomar o debate sobre a expectativa do público do cinema de horror.
Uma parcela grande dos espectadores parece julgar a qualidade de um título do gênero pelo medo que sente durante a exibição. Quanto mais o susto faz pular da cadeira, melhor a produção. A tensão pode estar lá, mas se não há esforço para arrancar a resposta emocional esperada, a percepção da plateia não será a mesma.
Há algum tempo, descrevi que o horror pode ser compreendido como um catálogo bastante heterogêneo de obras (leia mais). Nem todas elas dão medo, evidentemente. A linha de raciocínio partia do livro de Noel Carroll, A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração. De acordo com o autor, as produções do gênero são enquadradas a partir da narrativa e não do estímulo enviado ao receptor.
Rejeitar A Bruxa por não reagir emocionalmente é o mesmo que afirmar que Spotlight é um drama ruim por ser incapaz de fazer o público chorar. Não faz sentido.
Um Lobisomem Americano em Paris (1997), por mais que não amedronte, está na seção terror das videolocadoras por causa da presença de um monstro ameaçador e repulsivo. O mesmo vale para as criaturas de The Walking Dead e American Horror Story. Os dois seriados são inegavelmente de horror, mas as tramas raramente tiram o sono de seus espectadores. São piores por causa disso?
Rejeitar A Bruxa por não reagir emocionalmente à exibição é o mesmo que afirmar que Spotlight é um drama ruim por ser incapaz de fazer o público chorar. Nessa mesma linha de raciocínio, Marley & Eu (2008) seria como a nona sinfonia de Beethoven, inquestionavelmente melhor do que o vencedor do Oscar deste ano. Não faz sentido.
O teórico Edward Buscombe diz que a ideia de gênero no cinema norte-americano não é precisa. Trata-se de um instrumento adotado pela indústria e usado na orientação do consumo. Como interpretação acadêmica, é um modelo inadequado e cheio de falhas. Não foi conceitualmente estabelecido, como a teoria do autor.
Na falta de critérios claros na definição do horror como narrativa, o público se apega às reações do próprio corpo. Cabelos arrepiados, rangeres de dentes inesperados e gritos provocados pela aparição da ameaça atrás da porta deixam marcas mais profundas do que o estilo reflexivo e contemplativo do longa-metragem de Robert Eggers. São respostas físicas que o espectador partilhou com a sétima arte. É difícil de esquecer.
Há um outro ponto que precisa ser considerado. Como sentimento, o horror lida com a subjetividade. Alienígenas me assustam mais do que fantasmas. Sei de amigos que morrem de medo de histórias de exorcistas e demônios. Muita gente ficou verdadeiramente assustado com A Bruxa. A obra é melhor por causa disso?