Stephen King tinha cerca de treze anos quando descobriu a literatura de H. P. Lovecraft. De acordo com Lisa Rogak, sua biógrafa não oficial, nessa idade ele já era um ávido leitor e devorava tudo o que podia de ficção fantástica. Apesar disso, a obra do criador de Cthulhu não lhe pareceu muito atraente. Isso porque o futuro escritor do Maine era muito afeiçoado a outros tipos de histórias, bem mais familiares ao seu próprio cotidiano.
Diferentemente do que acontecia nos contos de Lovecraft, as narrativas que mais agradavam ao jovem King, em meados da década de 1950 e 1960, eram as que mostravam o horror como um elemento banal – próprio do mundo em que vivia.
No rádio e nos livros, as tramas de Ray Bradbury mexiam com seu imaginário por colocarem elementos extraordinários em situações absolutamente ordinárias. Os episódios de Rod Serling e Richard Matheson no seriado Além da Imaginação fertilizavam seu potencial criativo para mostrar como personagens do nosso mundo reagiriam diante de circunstâncias típicas da fantasia e da ficção científica. Nas revistas da E.C. Comics, o escritor vislumbrava como o sobrenatural poderia invadir e aterrar a vida adulta sem qualquer tipo de aviso.
Esse modo mais naturalista e contemporâneo de pensar as narrativas horríficas foi fortemente apropriado por King em praticamente tudo o que escreveu. Frequentemente, quando lhe perguntam de onde surgem suas ideias, o autor responde que “escreve sobre aquilo que conhece” e “sobre aquilo que o amedronta”.
Suas ideias quase nunca vêm de lugares inóspitos de sua imaginação. Para conceber a mãe religiosa e extremista de Carrie – A Estranha, o escritor se baseou em experiências com mulheres cristãs conservadoras que conheceu na infância e em uma colega fanática de trabalho dos tempos em que cumpria um turno em uma lavanderia industrial para pagar as contas. O mesmo emprego o inspirou a escrever o conto “A Máquina de Passar Roupa”, presente na coletânea Sombras da Noite. O enredo de O Iluminado, por sua vez, surgiu a partir de uma viagem que fez a um hotel que lhe parecia assombrado.
Em resumo, as experiências de Stephen King o levaram a criar uma obra que basicamente retrata um medo que surge da ordinariedade da vida cotidiana. Lovecraft, por outro lado, sempre escreveu sobre seres cósmicos e saberes proibidos. O mal, para o contista de Rhode Island, vinha de origens milenares desconhecidas. As pessoas continuariam seguras, na ignorância, se nunca mexessem com rituais macabros ou despertassem deuses espaciais e oceânicos adormecidos.
O conceito não só não interessava a King, como era rechaçado por ele. Na coletânea de entrevistas Dissecando Stephen King, organizada por Tim Underwood e Chuck Miller e publicada no Brasil pela Editora Francisco Alves, o autor é questionado sobre suas intenções ao experimentar diferentes tipos de medo que quer provocar no público e responde com uma comparação nada elogiosa ao legado de Lovecraft: “Tudo o que quero é deixar as pessoas assustadas. Sou humilde nesse sentido. Não coloco minhas opiniões numa posição tão elevada. H. P. Lovecraft tentou atingir o máximo de terror, e há momentos em que chega a ser quase cômico, pois em algumas dessas histórias ele mais parece um garotinho saltando para pegar um cacho de uvas que se encontra a uma altura inatingível para ele.”
King atribuiu horror ao que é comum. Carros conversíveis, cachorros e crianças se tornam criaturas monstruosas em sua obra – às vezes pelo mero acaso e sem muitas explicações.
O comentário mostra que o distanciamento dos objetos que estimulam o horror nos leitores adotado pelo criador de Cthulhu não era exatamente do seu agrado. Por isso, King atribuiu horror ao que é comum. Carros conversíveis, cachorros e crianças se tornam criaturas monstruosas em sua obra – às vezes pelo mero acaso e sem muitas explicações.
Ao discutir Drácula nas aulas que lecionava sobre literatura inglesa, o romancista ponderou sobre como poderia atualizar a premissa criada para Bram Stoker no século XX. O resultado foi A Hora do Vampiro, uma obra que traz o mesmo argumento do clássico romance para uma cidade pequena do Maine, que espelhava a própria comunidade em que King vivia. Nessa versão, Jonathan Harker não precisaria viajar até um castelo na Transilvânia para trazer o mal para seus conhecidos. O conde vampiro viria sozinho, acompanhado de uma falsa benevolência de seu súdito humano.
A obra de Stephen King não foi pioneira ao retratar narrativas que inseriram o fantástico na ordinariedade da vida cotidiana. Ray Bradbury, Richard Matheson e Ira Levin, entre outros nomes da literatura americana, assinaram dezenas de histórias com os mesmos princípios desde a década de 1940 nos Estados Unidos.
O que transformou King uma proeminente referência para se pensar esse tipo de enredo foi, possivelmente, sua relação com o cinema – que surge justamente quando o horror passava por uma profunda mudança de foco em Hollywood graças a uma nova geração de realizadores interessados em revolucionar a relação do público com o gênero.
Quando o primeiro romance do escritor chegava às livrarias, em 1974, jovens cineastas como Brian de Palma, Tobe Hooper, George Romero, John Carpenter e David Cronenberg lançavam produções inovadoras que se tornariam as bases do filme de horror moderno. Muitos desses diretores vinham de fora do sistema de cinema industrial e queriam discutir o medo a partir de seus próprios referenciais. Por isso, abandonaram a inocência e o classicismo que predominavam no gênero até então (na literatura, esse movimentou superou, inclusive, o marginalizado Lovecraft).
Essa geração de realizadores – chamada de new horror pelo jornalista Jason Zinoman no livro Shock Value: How a Few Eccentric Outsiders Gave Us Nightmares – viu na obra de King uma voz para canalizar essas histórias horríficas do ordinário. Dessa forma, os pesadelos do autor se tornaram visíveis e ainda mais próximos do público, que agora conseguiria reconhecer seu próprio mundo nas imagens que apareceriam na tela.