Após 40 anos de sua morte, Luiz Sérgio Person – que completaria 80 anos de vida este ano, não fosse o acidente que a interrompeu – é homenageado pelo 5º Olhar de Cinema, que na mostra “Olhar Retrospectivo” revisita sua obra, exibindo os longas-metragens Cassy Jones – O Magnífico Sedutor (1972), O Caso dos Irmãos Naves (1967), Panca de Valente (1968), São Paulo S/A (1965), a sua única cópia em 35 mm, que fora gentilmente emprestada pela Cinemateca Brasileira, e os curtas-metragens Trilogia do Terror, O Otimista Sorridente e Pega Ladrão.
Estiveram presentes em debates após as sessões e também no Seminário Person a esposa Regina Jehá, cineasta graduada na primeira turma de cinema da ECA/USP, as filhas Domingas, atriz e apresentadora de TV, e Marina que, além de conhecida por integrar a história da MTV como VJ, é cineasta. Carismáticas, interessadas pelo público e dispostas a compartilhar suas experiências pessoais e cinematográficas sobre o esposo, o pai e o cineasta, as mulheres da vida de Person foram tão especiais quanto as exibições de seus filmes.
No seminário Person, o clima de bate-papo, mediado pelo curador da mostra “Olhar Retrospectivo” William Biagioli e pelo crítico e pesquisador de cinema Paulo Camargo, trouxe reflexões sobre o homem e a obra Person, que caminha entre o teatro, o cinema e a publicidade, transpondo em suas criações o modo de interagir com o mundo; o cineasta que se revoltava com as injustiças sociais, defendia seus ideais com veemência. Regina Jehá relembra que conhecera o futuro marido, justamente, no momento em que ele debatia suas ideias em uma festa de classe alta.
Os filmes mais comentados durante a conversa foram São Paulo S/A e O Caso dos Irmãos Naves; o primeiro, o mais conhecido de sua obra, conta a história de Carlos, um personagem que se encontra encurralado pelo sistema, que faz parte da engrenagem que movimenta os padrões de uma realidade da qual o sufoca, o cansa e o torna um anti-herói.
Marina usa o termo contra-biografia para recuperar uma possibilidade de vida que Person poderia ter tido. Filho de empresário, o próprio cineasta poderia ter sido Carlos e, como Carlos, ele não se encaixava naquele modo de vida. O primeiro título do filme seria Agonia. Marina observa que o pai, em seus 26 anos, poderia estar sofrendo a agonia entre se adaptar à vida que lhe estava ao alcance ou aquela que ele ainda deveria alcançar.
Person era um cineasta que não se encaixava a um grupo, não se prendia a um gênero, a uma unidade temática e estética; ele criava o que lhe era urgente.
O segundo filme narra a história dos irmãos Naves, acusados e condenados injustamente de um crime que nunca aconteceu. A vontade de filmar esta história nascera de uma notícia de jornal, que Person guardava antes mesmo da filmagem de São Paulo S/A.
O desejo de filmar o caso veio a se concluir junto à parceria com Jean-Claude Bernardet, que roteirizou o filme adaptado do livro de João Alamy Filho, advogado dos irmãos. A família ressalta que a exibição, no período pós-golpe, apenas se deu pelo levantamento documentado de todas as torturas que foram reproduzidas na tela; após a primeira sessão fortemente aplaudida, o filme teria sido censurado. No entanto, já havia cumprido sua função social, função esta que ainda desempenha um olhar urgente e necessário em dias atuais.
Em todos os debates e inclusive no seminário, deixou-se esclarecido que Person era um cineasta que não se encaixava a um grupo, não se prendia a um gênero, a uma unidade temática e estética; ele criava o que lhe era urgente, amava as comédias e os musicais, filmou drama, chanchada, terror. Sem preconceitos, tinha a preocupação de que seus filmes se comunicassem com o público e com domínio estético alcançava o popular.
Apesar de ser contemporâneo do Cinema Novo, Person nunca pertenceu ao movimento: teve debates fervorosos com Glauber Rocha que não aceitava a cena final de São Paulo S/A. Para ele, o retorno de Carlos não poderia acontecer, pois negava os finais pertencentes ao Cinema Novo com as partidas de seus personagens. Ambos queriam criticar uma dura realidade, porém Person é duro (e necessário) ao mostrar o quanto é difícil e talvez impossível livrar-se da realidade que não sai de nós, assim como não saímos dela. Estamos contaminados; somos parte do sistema.
Luiz Sérgio Person era atual e necessário em sua época; Luiz Sérgio Person é atual e necessário para a nossa época. Um clássico nunca envelhece, e precisamos ver e pensar Person, cineasta técnico e poético, eternizado na tela do cinema brasileiro.
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