Durante o quarto episódio da oitava temporada de American Horror Story, um representante de uma organização masculina diz para a líder de um clã feminino que já é tempo de um homem assumir o poder depois de anos de uma liderança feita apenas por mulheres. A personagem responde imediatamente: “E o seu tempo acabou (Your time’s up).” A frase é uma referência nada indireta ao Time’s Up, movimento fundado por celebridades de Hollywood em resposta aos assédios sexuais, ao efeito Weinstein e ao #MeToo.
Ryan Murphy sempre utilizou suas obras para fazer críticas ácidas à sociedade. Muitas vezes ele faz isso de maneira mais direta e impactante, como em American Crime Story e Pose, outras vezes de maneira mais sutil disfarçada de humor, como em Glee, Nip/Tuck e a própria American Horror Story. Se a experiência é boa ou ruim, depende do que o público espera e de como ele reage aos produtos de Murphy. Por isso, quem estiver ansiando por algo mais sério ou organizado, vai se decepcionar com American Horror Story: Apocalypse. Já quem estiver querendo horas de diversão com uma crítica contundente, mesmo por meio de um roteiro confuso, vai curtir bastante o oitavo ano da antologia.
A nova temporada traz uma história simples, embora embalada por uma aparente complexidade. Num futuro próximo, uma guerra nuclear faz com que a humanidade praticamente suma do planeta. Com as consequências de um apocalipse, um grupo de sobreviventes vive junto num abrigo subterrâneo, um refúgio para o desastre radioativo, onde um clã matriarcal controla os moradores rigorosamente e pune quem quebra as regras. Essa dinâmica muda com a chegada de um homem que, logo percebemos, é o anticristo.
Toda a história envolvendo o anticristo (interpretado por Cody Fern) segue a cartilha fictícia envolvendo satanismo, mas serve mesmo para fazer um crossover entre duas temporadas bastante queridas pelos fãs: a ótima Murder House (a primeira) e a não tão ótima Coven (a terceira). Temos tempo também para passear pelo Hotel Cortez (o quinto ano). É onde mora a diversão de AHS: Apocalypse. Nada faz muito sentido, personagens são trazidos de volta com soluções simples apenas para matar a saudade dos fãs e as explicações são as mais absurdas possíveis. Incomoda se você pensar analiticamente na narrativa, mas diverte se você apenas relaxar. Afinal, é sempre um prazer rever Jessica Lange como Constance ou Connie Britton como Vivien.
Todas as críticas ficam escondidas no meio do que AHS de fato quer ser: diversão pura
Mas se a temporada toda parece ter sido construída para agradar aos fãs e alavancar a audiência, a história fica mais interessante se você observá-la nas entrelinhas. Ryan Murphy e Brad Falchuck inserem algumas questões que de certa forma quebram o que se espera de uma crítica à sociedade. É verdade que o clã feminino de Coven é uma representação da luta feminina contra o patriarcado, mas ao mesmo tempo o clã é formado por mulheres brancas (a única negra do grupo é Queenie, interpretada pela ótima Gabourey Sidibe) e o clã masculino tem homens negros e gays.
O próprio anticristo vai na contramão do que se espera. Como as próprias personagens femininas apontam, o homem é mimado, frágil, assustado e não sabe o que fazer se não for guiado. Cody Fern foi criticado pela sua performance, mas é possível perceber a intenção dos roteiristas e da direção ao formar um personagem complexo ao invés de um vilão unilateral. Sim, ele é filho do Diabo, mas tem a humanidade ironicamente arrancada pela crueldade do próprio ser humano. Cody Fern entrega uma performance não óbvia, cheia de dor e sensibilidade.
Mas todas essas críticas, de fato, ficam escondidas no meio do que American Horror Story de fato quer ser: diversão pura. Portanto, mesmo com uma história absurda, os roteiristas fazem um trabalho interessante de narrativa, fragmentando as histórias para explicá-la apenas no último episódio. Mesmo na mais completa bagunça e com atores desperdiçados (Evan Peters está no piloto automático este ano), as coisas acabam servindo para uma explicação e conclusão às temporadas um e três.
Há uma certa expectativa dos fãs para que a série retome o rumo certo e apresente histórias tão boas quanto Murder House e Asylum. Infelizmente, já há um sentimento de que a American Horror Story está na reta final, mas enquanto isso não ocorre, nós continuamos esperando algo que nem a gente sabe direito o que é.