É difícil demonstrar para as pessoas o quanto um seriado é capaz de influenciar nossas vidas. Mesmo com o aumento da popularidade dessas produções, principalmente com a ajuda da Netflix, ainda tem gente que teima em encarar as séries como um mero passatempo sem muitos fundamentos. Muitos ainda insistem em dizer que as produções cinematográficas são infinitamente superiores a qualquer programa de TV. De fato, há muito investimento financeiro e tecnológico no material produzido para as telonas, mas o empenho, dedicação e qualidade de roteiro acabam sendo tão bons quanto. E assim como um longa pode tocar profundamente o cinéfilo, uma série pode causar o mesmo impacto no telespectador e, na minha opinião, um impacto até muito mais intenso. Se durante um filme somos transportados para uma realidade imaginária por apenas algumas horas, quando acompanhamos algum seriado embarcamos em uma viagem de descobertas semanais, que muitas vezes acabam durando anos, fortalecendo assim o laço entre o telespectador e seus heróis.
Uma série pode marcar por inúmeros motivos. Cliffhangers malucos, acidez nos diálogos, sangue jorrado para todos os lados, efeitos especiais cinematográficos… Cada um tem seu estilo preferido. No meu caso, prezo pelo realismo, pela verossimilhança. Sim, leitor, essa semana gostaria de deixar um pouco de lado a cartilha da impessoalidade e falar abertamente sobre uma série que me marcou: Friday Night Lights, que teve cinco temporadas (2006-2011). Como você já deve ter visto na lista de séries imperdíveis do colega Rodrigo (leia aqui), FNL é uma série pouco conhecida, baseada em um filme homônimo, que retrata o universo do futebol americano juvenil da cidadezinha de Dillon, no interior do Texas. Lá, acompanhamos os dramas dos estudantes e jogadores da cidade, tendo a família do técnico Eric Taylor como condutores da história. Por focar em assuntos do cotidiano dos jovens, a série pode parecer monótona e descartável. Mas não é. É justamente essa normalidade, junto a alguns outros fatores, que faz de FNL uma produção tão relevante, única e real.
Devido a sua trama e ao elenco predominantemente jovem, Friday Night Lights é classificada como um drama teen, mas quem já teve um contado considerável com a série sabe que trata-se de um dos dramas adolescentes mais adultos e realistas produzido pela TV. O roteiro envolvente, o texto bem escrito, a câmera sempre em mãos, o elenco competente… tudo favorece ao realismo que a série se propõe (e consegue, com maestria) apresentar. Apesar de algumas (poucas) tramas ainda soarem artificiais, como o desenrolar do caso do estupro/homicídio, no geral, os dramas e casos apresentados são de uma veracidade impressionante. Vários detalhes favorecem a construção desse ar realista, mas o que mais contribui é a forma como a série era gravada: sempre utilizando locações reais. Casas, colégio, lanchonetes… Tudo era real. E o melhor: na maioria das vezes as câmeras eram posicionadas em outros recintos para deixar os atores mais confortáveis, dando maior liberdade para que seus personagens fossem incorporados com maior naturalidade, sem a inibição causada pelo desconforto das lentes ao redor. Muitas vezes era possível nos questionar se o que estávamos vendo era mesmo ficção ou cenas de um documentário.
São situações pequenas distribuídas no decorrer dos episódios que nos induzem a acreditar que aquilo é um documentário com pessoas reais e não uma obra de ficção.
Não tem como falar de Friday Night Lights sem mencionar Eric e Tami Taylor. Mesmo rodeados por atores competentes, Kyle Chandler e Connie Britton roubam todas as cenas em que aparecem. Ele como o treinador de futebol americano; ela como conselheira do colégio. Ambos possuem papéis de extrema importância para os adolescentes da cidade, pois acabam assumindo as figuras paterna/materna no ambiente estudantil. Papéis que poderiam acabar caricatos demais nas mãos erradas, mas graças aos roteiristas nada conservadores somos presenteados com dois personagens bens construídos e sensatos. Eles tratam os estudantes como jovens adultos que são, educando-os de forma consciente, mostrando as consequências de suas ações, sempre estimulando que se desafiem para tornarem-se pessoas melhores. Eric e Tami não são charlatões, eles pregam o que dizem. E como se não fosse o bastante, os dois formam um dos melhores casais na história da TV. Neles podemos ver o exemplo de companheirismo, respeito, carinho, felicidade e superação. Poucas vezes foram vistos em seriados personagens tão fascinantes como esses.
Mas os Taylors não eram os únicos nomes memoráveis. Temos Jason Street, ex-quarterback que busca se reencontrar após uma paralisia nas pernas; o mulherengo Tim Riggins, que acredita que terá um futuro fracassado devido à falta de estrutura familiar em sua infância; a bela Tyra, que demora a perceber que é muito mais do que apenas um rostinho bonito, entre vários outros personagens. Mas quem realmente se destaca no núcleo jovem é o quaterback Matt Saracen, um rapaz tímido que está em constante luta consigo mesmo para driblar suas inseguranças. Matt foi abandonado pela mãe quando ainda pequeno e se viu obrigado a assumir o papel de homem da casa quando seu pai parte para o Iraque e o deixa com a avó, quem precisa de cuidados especiais devido ao desgaste mental causado pelo Alzheimer. Aliás, Zach Gilford faz um belíssimo trabalho. É possível ver nos olhos do jovem o desespero constante que sente pelas responsabilidades que foram jogadas em suas costas logo tão cedo.
São situações pequenas distribuídas no decorrer dos episódios que nos induzem a acreditar que aquilo é um documentário com pessoas reais e não uma obra de ficção. Seja pelo bom dia do Eric para a Tami durante o café da manhã, seja pela angustia de Tyra ao achar que não será aceita na universidade ou até mesmo pela forma como Matt prepara um sanduíche para a sua avó enquanto essa tem dificuldades para reconhecer o próprio neto, Friday Night Lights tem a capacidade de fazer os espectadores se importarem com esses personagens como se fossem seus amigos ou familiares, transformando esses acontecimentos em grandes lições de vida. Com eles aprendemos a lidar com a perda de entes queridos, a encontrar nossos potenciais, a nos desafiar, a respeitar o próximo e, acima de tudo, a ser alguém melhor.
Mesmo sem um sofá e um terapeuta para questionar as reais motivações e objetivos do ser humano, FNL consegue nos deixar assustados e ao mesmo tempo fascinados com os complexos caminhos que nossas vidas podem tomar. É mostrando o dia-a-dia da família Taylor de forma impecavelmente realista que a série nos mostra as rotas que podemos seguir para moldar nossos futuros. Friday Night Lights me comoveu e marcou minha vida de forma positivamente satisfatória. Portanto, leitor, não adie mais ainda essa experiência gratificante que é a de acompanhar a rotina dos habitantes de Dillon e permita-se acreditar que, mesmo em meio a guerras e conflitos sangrentos gerados pela incompetência do ser humano em aceitar a diversidade, há sim gente boa no mundo, como Tami e Eric Taylor. Preparados para encarar a vida de uma forma diferente? Clear eyes, full hearts, can’t lose!