Todo ano, os norte-americanos esperam o mês de setembro para conferir as novas temporadas da maioria das séries dos canais abertos, além de acompanhar a estreia de dezenas de novas produções que chegam implorando a atenção da audiência. Isso também ocorre em vários países, já que com os canais a cabo e o torrent, o tempo de espera entre a exibição original e a transmissão em outros lugares do mundo diminuiu consideravelmente.
Embora somente os norte-americanos detenham o poder da audiência (e o destino das séries), poder assistir a essas produções praticamente em tempo real com os Estados Unidos amplia a discussão sobre os rumos das séries e nos permite analisar por que determinado seriado anda fazendo muito sucesso e por que outros acabam passando vergonha nos números.
Interessante perceber, também, o padrão americanizado de ver televisão. Algumas séries, por exemplo, trazem frescor em sua narrativa, mas não chamam muita atenção do público, enquanto outras disfarçam o roteiro com um diálogo moderno, mas trazem uma narrativa tradicional que, inevitavelmente, conquista a audiência. De qualquer forma, anda cada vez mais difícil saber o que vai agradar o público.
A coluna Olhar em Série analisou oito séries estreantes da Fall season 2016/2017 e mostra as primeiras impressões de cada uma delas, além da recepção do público americano. Confira:
Better Things
Essa não é de televisão aberta e eu fui assistir sem saber absolutamente nada da história. E que surpresa!
A nova comédia do FX é criada por Pamela Adlon e Louis C.K e acompanha a vida de Sam (Adlon), uma atriz que luta para se estabelecer na carreira e criar suas três filhas, Max (Mikey Madison), Frankie (Hannah Alligood) e Duke (Olivia Edward). Sam também cuida da mãe Phyllis (Celia Imrie), uma imigrante inglesa que mora do outro lado da rua. Sem medir palavras, Sam enfrenta problemas em seu trabalho e no relacionamento com a família e com os amigos.
Na verdade, a série é mais uma dramédia e tanto as piadas quanto os plots dramáticos funcionam bem demais. É bastante fácil se identificar com a vida da protagonista, já que as situações são inspiradas na própria atriz, o que deixa tudo muito orgânico. Não é aquele tipo de comédia para morrer de rir, mas diverte ao mesmo tempo em que pode deixar o público melancólico. No fim, é aquela série que te abraça ao falar da vida como ela realmente é, sem nenhum discursinho barato ou glamouroso.
Os americanos, entretanto, não estão gostando muito. A série estreou com uma audiência bem baixa e vem caindo a cada semana. O FX traz um time de séries fortes e não costuma apostar em produções com uma audiência tão baixa, então é bem provável que Better Things tenha apenas uma temporada. De qualquer forma, vale a pena continuar.
Bull
Norte-americanos amam dramas de tribunal e dramas processuais, como CSI, Law and Order e NCIS, por exemplo. Só isso para explicar o sucesso que essa série já faz.
Bull não traz nada de novo, mas parece ter fisgado o público, já que estreou com impressionantes 15 milhões de americanos e levou 13 milhões para o segundo episódio. A série é um drama inspirada no início da carreira do Dr. Phil McGraw como fundador de uma das empresas de consultoria de julgamento mais prolíficas de todos os tempos. Brilhante e ousado, dr. Bull (Michael Weatherly) parece um mestre manipulando marionetes quando combina psicologia, intuição humana e dados de alta tecnologia para descobrir o que move jurados, advogados, testemunhas e acusados no tribunal.
É interessante a maneira como Bull reencena um julgamento para entender a cabeça dos jurados, mas só. A série acaba sendo um amontado de clichês e não se difere de nenhuma outra produção similar. O protagonista não é tão encantador assim – na verdade ele é até um pouco irritante – e a proposta central da série lembra muito Lie to Me, que também se baseava na psicologia para determinar quem estava mentindo ou não. Basicamente é uma série correta que vai fisgar o público contando pela milésima vez a história de um personagem espertinho que manipula os outros para conseguir o quer e, no final, está sempre certo.
Kevin Can Wait
Essa série me assusta muito. Kevin Can Wait é um festival de mediocridade a cada segundo e nada consegue salvar a sitcom. Mesmo assim, a série levou mais de 11 milhões de americanos para a TV. Prefiro acreditar que o grande motivo para uma audiência tão grande tenha sido a curiosidade para assistir ao retorno de Kevin James, que fez um imenso sucesso durante as 15 temporadas de The King of Queens.
Na história, Kevin é um policial aposentado que tenta aproveitar melhor o tempo que passa ao lado da esposa Donna (Erinn Hayes) e dos três filhos, Kendra (Taylor Spreitler), Sara (Mary-Charles Jones) e Jack (James Digiacomo). Mas logo ele descobre que os relacionamentos pessoais podem ser mais perigosos que os bandidos que ele enfrentava nas ruas.
Imagine todas as sitcoms que você já assistiu, especialmente as ruins, reunidas em 22 minutos. Kevin Can Wait é isso. Machista, misógino, com personagens fracos, situações vergonhosas e um texto mais vergonhoso ainda. É uma coleção de clichês e mal gosto que não merece nem cinco minutos de atenção.
MacGyver
Outro exemplo de série ruim que vem chamando atenção dos americanos, o que me deixa bastante pasmo. A nova série de MacGyver contará as origens do personagem vivido originalmente por Richard Dean Anderson, mostrando ele no início de seus 20 anos, como o novo recruta de uma organização clandestina e aperfeiçoando suas habilidades a fim de evitar um desastre.
Tudo é uma vergonha. A tentativa de emular a série dos anos 80, as atuações, a narração em off, os argumentos. A cada minuto o roteiro apenas confirma que não havia a menor necessidade de produzir um remake de uma história marcada no imaginário, mas que está datada. Não há nenhuma profundidade nos personagens, os vilões são supervilões estereotipados e os mocinhos idem. Há uma reviravolta ridícula no final e nada surpreendente para que o público assista ao próximo episódio, mas, no fim, tudo parece uma grande paródia bem mal feita. Passem longe.
Pitch
Ainda que necessite um pouco mais de sutileza em sua narrativa, Pitch vai ganhando o público aos poucos. Ginny Baker (Kylie Bunbury) é uma arremessadora que se torna a primeira mulher escalada para um time da Major League de baseball. Desafiando as probabilidades, o preconceito e precisando lidar com o assédio da mídia e a alta expectativa, ela precisará provar para ela mesma que está à altura do novo posto.
Há um clima meio Friday Night Lights que traz esperança para a história. A série é bastante promissora ao querer falar sobre sexismo, preconceito, a cobertura midiática na formação de uma heroína. Nada disso é feito de forma muito eficiente, mas consegue estabelecer uma conexão com o público, graças a ótima atuação de Kylie Bunbury. O final também traz uma reviravolta emocionante que deixa tudo mais interessante. A audiência, entretanto, não parece ter gostado. A série estreou com 4 milhões de espectadores e já caiu para 3 no segundo episódio. A FOX não costuma apoiar séries com um audiência tão baixa assim.
Speechless
Maya DiMeo (Minnie Driver) se muda com sua família para uma nova cidade, onde encontra a situação perfeita para seu filho mais velho, JJ, que tem paralisia cerebral. Enquanto JJ e a irmã Dylan estão animados com a mudança, o filho do meio Ray se sente frustrado pelo hábito da família de se mudar constantemente, e percebe que as necessidades de JJ estão sempre em primeiro lugar. Logo, Maya percebe que esta não é uma situação ideal para JJ e tenta mudar a família novamente. Mas JJ faz uma amizade com Kenneth, zelador da escola, e pede que ele seja seu cuidador, enquanto Ray consegue convencer Maya a dar a escola outra chance.
A série consegue fugir dos clichês das sitcoms de forma bastante diferente, especialmente por causa da atuação de Minnie Driver. O tema da deficiência física é tratado de forma leve, mas jamais ofensiva ou burra. Speechless consegue o ótimo equilíbrio entre comédia e drama e trata seus personagens com muito respeito. Micah Fowler, embora não diga uma palavra, consegue se comunicar com o público de forma impressionante. O texto é esperto, rápido e pode ter um futuro promissor se focar nas ótimas características dos seus personagens. A audiência até o momento é estável.
The Good Place
Como é bom ser surpreendido! Fui assistir a The Good Place cheio de preconceito, o trailer não parecia muito interessante, e acabei quebrando a cara positivamente, sendo uma das melhores estreias que vi até agora. Eleanor (Kristen Bell) é uma mulher do Arizona que… morre. Ela vai parar no “bom lugar”, uma espécie de céu onde a felicidade é eterna e todo mundo é bom. O problema é que ela não é quem eles acreditam e não acha que deveria estar lá, e vai fazer de tudo para tentar descobrir se é ou não uma pessoa boa ou ruim.
Dos mesmos criadores de Parks and Recreation, The Good Place tem um humor ingênuo, mas esperto, no-sense e bastante criativo. Ainda que o piloto seja um pouco forçado e didático, toda a loucura vista na tela começa a fazer muito sentido e o público é fisgado por personagens interessantíssimos e piadas que realmente funcionam.
A audiência, entretando, caiu mais de 40% em relação ao primeiro episódio, o que deixa a série no sinal vermelho.
This Is Us
A série mais esperada pelos norte-americanos estreou bem e continuou com um audiência alta, embora tenha perdido mais de 2 milhões de espectadores. A história acompanha a vida de diversos personagens, todos nascidos no mesmo dia. Entre eles, Jack (Milo Ventimiglia) marido de Rebecca (Mandy Moore), que está grávida de trigêmeos; Kevin (Justin Hartley), um bem sucedido ator de televisão que começa a se cansar de sua vida de solteiro. Kevin é o irmão gêmeo de Kate (Chrissy Metz), uma mulher que luta contra o peso. A trama também acompanha a vida de Randall (Sterling K. Brown), um empresário e homem de família que vive em Nova York ao lado de sua esposa Beth (Susan Kelechi) e suas duas filhas. Randall é filho de William (Ron Cephas Jones), que o abandonou em um quartel do corpo de bombeiros logo que ele nasceu.
É fácil perceber a manipulação do roteiro para que o público desabe em lágrimas, além daquela propaganda batida de família americana, mas isso é feito de tal forma que não incomoda, muito pelo contrário. Rapidamente, já estamos fisgados pelo personagens e queremos entender o que acontece em cada fase da vida deles. O desafio é manter a curiosidade do público e criar histórias independentes que funcionem bem e consigam segurar o interesse. Os dois primeiros episódios apresentam duas reviravoltas bastante interessante. Embora brincar com a passagem do tempo não tenha dado muito certo em outras séries, This Is Us tem um futuro promissor.