México e Brasil são dois dos maiores produtores e exportadores de telenovelas do Mundo. Por aqui, inúmeros títulos inundaram os canais televisivos brasileiros, em especial o SBT. Com o surgimento dos serviços de streaming e a chegada deles aos Brasil (por enquanto apenas Netflix, mas quem sabe o que vem por aí, não é?), era inevitável que também estivessem presentes nos serviços. Uma rápida olhada no catálogo brasileiro da Netflix e você encontrará algumas novelas que marcaram época, inclusive no Brasil.
Enquanto esperamos que 3%, primeira produção 100% brasileira, chegue à Netflix, o México já emplacou o seu primeiro trabalho. A série Club de Cuervos, com primeira temporada completa disponível, é um excelente exemplo do que de melhor o México pode produzir em termos de entretenimento televisivo.
Club de Cuervos, que estreou em agosto, é a primeira incursão do serviço de streaming em um idioma fora do inglês. A série se passa na fictícia cidade mexicana de Nuevo Toledo, e junta duas coisas que nós, brasileiros, dividimos com os mexicanos: o amor por novelas e por futebol. É importante dizer que o futebol, apesar de bastante presente na trama, é apenas um pano de fundo, logo, ninguém que odeie futebol vá se desiludir com Club de Cuervos.
O drama se inicia com a morte do patriarca dono do time de futebol da cidade, o Cuervos. Com seu falecimento, se cria um disputa por sua sucessão entre seu filho Chava (Luis Gerardo Méndez), um playboy louco por festas, bebidas e mulheres, que sempre utilizou seu contato com o clube (e, consequentemente, com os jogadores) para se dar bem com garotas; e Isabel (Mariana Treviño), sua meio-irmã, casada com o goleiro do clube, uma filha sempre presente, próximo do pai, envolvida com a gestão dos Cuervos, mas que vê no clube apenas uma forma de conseguir poder.
Disfarçado de melodrama, a série apresenta com um humor ácido vários debates extremamente pertinentes, como a luta de classes (não nos esqueçamos que existem mais coisas que aproximam nossa realidade da mexicana do que nos distanciem) e a igualdade de gêneros. Agora, uma das mais incríveis temáticas abordadas ao longo dos 13 episódios da primeira temporada, é a homossexualidade no esporte, um tabu ainda nos dias de hoje.
Disfarçado de melodrama, a série apresenta com um humor ácido vários debates extremamente pertinentes, como a luta de classes e a igualdade de gêneros.
Criada por Gaz Alazraki, diretor mexicano responsável por Los Nobles: Quando os Ricos Quebram a Cara, um dos filmes de maior bilheteria da história do cinema local, Club de Cuervos é repleta de anti-heróis. Aliás, não existem verdadeiramente mocinhos na história. Nesta “dramédia”, vemos constantemente Chava e Isabel lutando pelo poder, passando a perna um no outro e fazendo o máximo para destruir reputações. E neste embate, sobram faíscas para todos, como Rafael Reyna, o esposo de Isabel e goleiro do time; Mary Luz Solari, a viúva do pai de ambos, que é constantemente acusada de ser golpista e ter engravidado pela herança.
Alazraki equilibra bem o humor e o drama, fazendo do primeiro um contraponto e um artifício para abordar assuntos mais difíceis de serem tratados, mesmo em pleno 2015. Os episódios iniciais são o ponto dissonante de Club de Cuervos. Um pouco arrastados, fazem com que a série demore a engrenar. Por isso, recomendo ao leitor que faça um esforço e siga adiante. O programa tem uma guinada a partir da contratação do jogador Aitor Cardoné (Alosian Vivancos), uma simbiose entre várias personalidades de jogadores reais de futubeol, o que torna este personagem brilhante (e necessário à trama). Facilmente você reconhecerá um pouco de Cristiano Ronaldo, Neymar e Ibrahimovic em Aitor.
Ainda por cima, quando o futebol é apresentado sob a ótica do esporte na América Latina (corrupção, lavagem de dinheiro, um meio de ascensão social), a série ganha contornos bem realistas, capazes de prender nossa atenção por sua semelhança com acontecimentos reais (ou alguém se esquece das acusações contra dirigentes da FIFA, ou do ex-presidente do Corinthians, Alberto Dualib, sendo preso?).
E são elementos como este, que aproximam a ficção da realidade, que tornam Club de Cuervos tão especial e viciante, mesmo com o início meio lento. Ao final, tenho a certeza de que o leitor estará como eu, ansioso pela segunda temporada.