O ator canadense Will Arnett é um nome que já ficou marcado com o humor – e com o empréstimo de sua voz para algumas animações, como Ratatouille e BoJack Horseman. E se a história é capaz de nos mostrar algo é que, em geral, o humor é visto como um gênero menor quando comparado com outros. Sendo assim, não é raro vermos atores investindo, em dado momento de suas carreiras, em papéis que fujam do que já fizeram em seu passado. Adam Sandler e Jim Carrey são exemplos, e parece que algo semelhante se passa com Arnett.
Marcado por seus personagens em Arrested Development e 30 Rock, Will Arnett optou por navegar em outros mares, ainda que seja possível enxergar um humor inteligente em Flaked, série original da Netflix criada por ele juntamente com Mark Chappell.
Flaked representa esse novo momento do ator, em que ele interpreta Chip, o dono de uma loja de móveis em Venice, distrito de Los Angeles. Chip é um homem que parece ligeiramente rachado. Participa do Alcoólicos Anônimos em virtude de ter matado um homem ao atropelá-lo enquanto estava sob o efeito de álcool. Seu personagem é fechado, introspectivo, mesmo com seu grande amigo Dennis (David Sullivan).
Se em um primeiro momento o personagem de Arnett parece superficial, ao passar dos oito episódios que compõem a primeira temporada de Flaked percebemos que ele é repleto de camadas. Esconde segredos de seus amigos, se envolve em relacionamentos de maneira desinteressada, é casado com uma excêntrica atriz com quem não mora e pouco se envolve, a não ser quando o assunto é o imóvel onde mantém sua loja e que é de propriedade do sogro. Nesse emaranhado jogo de meias verdades é que surge a força da série, que se não chega a ser um drama por completo, ao menos ganha contornos de “dramédia” (drama com pinceladas de comédia).
Nesse emaranhado jogo de meias verdades é que surge a força da série, que se não chega a ser um drama por completo, ao menos ganha contornos de “dramédia”. Mas é bom deixar claro que a série passa longe de ser perfeita.
É bom deixar claro que a série passa longe de ser perfeita. O triângulo amoroso formado por Chip, Dennis e London (Ruth Kearney, a Daisy de The Following), por exemplo, não convence, principalmente por sua construção infantil, como se assistíssemos o desenrolar de uma crise amorosa juvenil (alô Malhação). Por sorte, o suspense que as mentiras vão criando (e não apenas as de Chip, diga-se) é capaz de prender o espectador, que inevitavelmente se irrita com os erros imaturos dos personagens.
Internacionalmente, Flaked recebeu críticas mistas. Parte dos que não aprovaram a série de Will Arnett questionaram a abordagem feita ao AA, bem como a forma jocosa com que a campanha pela proteção de Vanice foi tratada. A fictícia “SaVenice”, literalmente Salve Venice”, é inspirada em campanhas reais que visam reduzir a construção de grandes empreendimentos no local. Lar de poetas e artistas, principalmente da geração Beat, o distrito vem sendo alvo da especulação imobiliária ao longo dos últimos 30 anos, período em que viu acontecer uma explosão populacional decorrente de sua popularização como atração turística do sul da Califórnia.
Se não perfeita, ao menos a série foi capaz de mostrar um outro lado convincente de Arnett, o que parecia difícil tamanha identificação do ator com o humor. Flaked ainda entrega cenas belíssimas de Venice, que certamente te deixarão com vontade de conhecê-la. Aliás, a Los Angeles Magazine foi atrás dos locais da série e mostrou como estão. Dá até para procurá-los no Google Maps.
A série está em vias de ganhar uma segunda temporada, que deverá estrear em março de 2017. Falta apenas decidir quantos episódios serão rodados. Especula-se que possam ser menos que os oito deste ano, provavelmente seis. De toda forma, não deverá ter uma vida tão longa.