Super-heróis nunca saíram de moda, mas atualmente as produções americanas – especialmente na televisão – vêm buscando, cada um à sua maneira, um modo de pegar sua fatia do bolo do sucesso. Só para ter uma ideia, estão no ar Arrow, The Flash, Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D, Gotham, Supergirl e mais séries com a mesma temática já estão sendo produzidas. A maioria, com exceção de Supergirl, procura abordar temas mais densos, aproveitando a temática fantasiosa dos heróis para explorar seu universo e criar roteiros que nada perdem para séries, digamos, mais realistas. Demolidor, parceria da Marvel com a Netflix, se revelou um verdadeiro sucesso do serviço de streaming. Assim, foi com ansiedade que os fãs esperavam a estreia de Jessica Jones, uma heroína não muito conhecida pelo grande público, mas que carrega um grande potencial dramático. Felizmente, a série, disponível para todos os assinantes desde a semana passada, não somente é uma das melhores produzidas pela Netflix, mas a melhor série de super-heróis até o momento.
Jessica Jones pega carona no clima sombrio de Demolidor, mas consegue superá-lo. Com uma fotografia que remete à filmes noir, a série acompanha a vida de Jessica (Krysten Ritter, de Breaking Bad), uma detetive particular que é contratada para resolver casos extraconjugais e desaparecimentos. Traumatizada por algo que aconteceu no passado, Jessica tenta levar uma vida normal, mas logo percebe que precisará enfrentar seus maiores medos. Tanto o poder de Jessica quanto a complexidade dos personagens lembram muito Demolidor, mas Jessica Jones vai além. Ela pode até mostrar uma força sobre-humana, se relacionar com um homem com a pele indestrutível e enfrentar um vilão capaz de controlar a mente das pessoas, mas Jessica Jones acerta mesmo quando simplesmente nos faz esquecer que estamos vendo uma série sobre heróis, sem precisar de muitos efeitos especiais para nos conquistar.
Baseado nos quadrinhos de Brian Michael Bendis e Michael Gaydos, Jessica Jones grita feminismo. A personagem é forte, carismática, cínica, irresistível. Tudo isso graças ao roteiro e ao talento de Krysten Ritter, que finalmente tem um papel de destaque, após uma marcante participação em Breaking Bad e protagonizar a cancelada Don’t Trust B in Apartament 23. Sua personagem é complexa, irritante, quebrada, manipuladora, mas conquista o público desde sua primeira aparição na tela. Depressiva e assombrada pelo passado, Jessica luta para proteger pessoas ao seu redor que correm riscos por estarem perto dela.
Baseado nos quadrinhos de Brian Michael Bendis e Michael Gaydos, Jessica Jones grita feminismo. A personagem é forte, carismática, cínica, irresistível.
Todos os personagem, aliás, carregam um trauma, mesmo os vilões. Trish Walker (Rachael Taylor) é a melhor amiga e confidente de Jessica e a única pessoa que sabe de todo seu passado. Jeri Horgath (Carrie-Anne Moss) é uma advogada agressiva que entrega à Jessica casos que vão além dos limites legais. Há, também, Luke Cage (Mike Holter), um barman que esconde um doloroso segredo e que tem ligação direta com o passado de Jessica.
Todos esses personagem aparecem de forma forte, tendo importante relevância na história, sem nunca parecerem desnecessários, ainda que seja perceptível uma armadilha no roteiro para que essas pessoas sejam apenas um background para a história se mover mais lentamente. O mais interessante, porém, é que todos são apresentados com calma, mesmo a protagonista. Nada é apressado, não sabemos direito como Jessica conseguiu seus poderes ou como essas pessoas estão relacionados à sua vida. A série não entrega tudo para o público, nem se sustenta em episódios temáticos (como casos da semana, se fosse na televisão aberta). Tudo vai sendo interligado com calma e as reviravoltas fazem de Jessica Jones viciante.
E toda a série de super-herói necessita de um vilão marcante. Em Jessica Jones, temos um personagem tão bem construído que assusta mesmo antes de aparecer. Interpretado por David Tennant (Doctor Who), seu vilão fica na linha tênue do estereótipo, mas graças ao talento do ator, Killgrave é carismático, sem deixar de ser absolutamente perverso. Em seus primeiros episódios, seu rosto jamais aparece, mas sua ameaça chega a ser sufocante. Ao ser revelado para o público, Killgrave se torna ainda mais complexo, prometendo ser um dos vilões mais memoráveis das adaptações da Marvel.
E Jessica Jones entra diretamente para a lista de grandes personagens femininos. Ela é tudo o que não se espera de uma heroína. Seu poder, aliás, parece vir muito mais de sua forte personalidade do que a sua força física. A série, ainda que traga boas lutas, não é tão brutal quanto Demolidor, preferindo caminhar para o lado psicológico. Assim, a série aborda questões como abuso de poder, estupro e aborto. Mas as mulheres retratadas jamais aparecem totalmente frágeis e nem totalmente brutas. Há, em cada uma delas, complexidade suficiente para que todas assumam seu protagonismo.
Entretanto, a série perde um pouco a força com alguns diálogos expositivos e engraçadinhos. Com um clima denso muito eficiente, o humor chega a insultar. Ao final da temporada é perceptível que o roteiro acaba sucumbindo à uma enrolação desnecessária, com uma reviravolta que pode agradar ao grande público, mas que soa um pouco forçada. Outro erro (imperdoável) é a pobreza do cenário em algumas cenas que saltam aos olhos. As lutas, ainda que empolgantes, também são claramente coreografadas, pouco inspiradas.
Ainda assim, particularmente, no meio de tantas séries de heróis, Jessica Jones sai na frente justamente por ser interessante independente de seu poder. Em tempos em que o feminismo anda tão forte, é mais do que bem-vinda uma série que retrata a dor de grandes mulheres e como elas lidam com isso sem precisar de um super-homem para resgatá-las.