Nos últimos 15 anos, um formato peculiar de se fazer comédia conquistou seu espaço na televisão americana. Seguindo a premissa de um documentário satírico, o mockumentary surgiu como uma forma diferente de conquistar o público, estreitando os laços entre o telespectador e a ficção. Modern Family foi a última grande referência do formato na telinha do Tio Sam. Nela, o dia-a-dia dos Pritchett e dos Dunphy foram retratados a partir de cenas do cotidiano das famílias, intercaladas com depoimentos dos próprios personagens direcionados à câmera.
Engana-se quem afirma que essa é uma nova narrativa. Registros apontam produções da década de 30 como sendo as precursoras do formato, como, por exemplo, a transmissão de rádio do satírico The War of the Worlds de Orson Welles, no qual atores se passavam por radiojornalistas narrando a invasão de marcianos na Terra. Focando na programação recente das emissoras americanas, pode-se dizer que foi The Office a responsável por inserir tal formato no gosto do público amante de televisão. Baseada na série homônima britânica de Ricky Gervais, a comédia, que estreou em 2003, mostrava a gravação de um documentário focado no dia-a-dia dos funcionários de uma empresa de papéis a partir de depoimentos e cenas do cotidiano desse escritório.
Dois anos após sua estreia, ia ao ar o piloto de Parks and Recreation. Desenvolvida inicialmente para ser um spin off de The Office, a série acabou se tornando uma produção independente, com uma sutil diferença com relação à produção que a derivou. Enquanto na primeira era possível notar a presença da equipe de filmagens de um documentário, em Parks and Rec não há um documentário de fato sendo produzido, o que resultava em um retrato mais realista do cotidiano visto na comédia.
Em The Office, a presença do camera man de certa forma intimidava seus personagens, mexendo com suas vaidades, forçando-os a agir de forma não natural com o intuito de aparecerem bem diante das câmeras. Logo, os momentos mais verdadeiros eram aqueles capturados a partir de breves flagras com câmeras escondidas, quando os personagens acreditavam não estarem mais sendo filmados. Algo semelhante era visto em The Comeback, série que mostrava as gravações de um reality show focado no retorno de uma antiga atriz de sucesso às telinhas. A presença constante da equipe de filmagens fazia com que Valerie Cherish (Lisa Kudrow), a atriz em questão, estivesse a todo momento sorrindo para as câmeras. O telespectador sabe que trata-se de uma máscara, uma farsa, mas de forma alguma deixa de ser interessante. Pelo contrário, tais representações de uma falsa realidade acaba prendendo a atenção do telespectador, deixando-o curioso para descobrir o que esses personagens escondem por trás dessas máscaras, dúvidas essas que são saciadas nos breves momentos off camera como, por exemplo, quando Valerie interrompe as gravações para fazer alguma queixa à produtora do reality, mostrando assim a verdadeira face da atriz.
Apesar de não muito comum entre as sitcoms, as poucas produções que utilizam o mockumentary felizmente são sinônimos de TV com qualidade.
A presença da equipe de filmagens, apesar de interessante, não é indispensável para uma produção de qualidade. Depende muito da história a ser contada. Peguemos Modern Family, como exemplo. Originalmente com o nome My American Family, a série mostraria as gravações de um cineasta europeu que no passado havia feito um intercâmbio na casa dos Pritchett e decidiu retornar aos Estados Unidos para fazer um documentário sobre “sua família americana”. Porém, os produtores da comédia acharam essa temática irrelevante para o desenvolver da trama, deixando de lado o pretexto da produção de um documentário e optando por aproveitar o formato dos depoimentos como auxílio narrativo. As histórias retratadas, mostrando os conflitos de três famílias modernas do século 21, já eram suficientes para despertar interesse no telespectador.
O humor presente nessas produções tem grande influencia política, social e cultural. Em Parks and Rec, temos Ben fã de Game of Thrones, Donna viciada em Twitter e celebridades, Leslie apaixonada por Hilarie Clinton; em The Office temos Michael Scott fã de Harry Potter, Dwight amante de Battlestar Galactica; Já em Modern Family temos o patriarca Phil obcecado por tecnologia e produtos Apple. Ou seja, assistimos aos mesmos programas, lemos os mesmos livros, temos os mesmos ídolos. Tais referências fazem com que o telespectador se sinta no mesmo universo que esses personagens, ainda mais quando assuntos delicados servem de enredo como a igualdade de gêneros, visto em diversos momentos de Parks and Rec, principalmente nas eleições da última temporada, e a regularização do casamento gay, presente no núcleo de Mitchell e Cam em Modern Family.
Apesar de não muito comum entre as sitcoms, as poucas produções que utilizam o mockumentary felizmente são sinônimos de TV com qualidade, agradando crítica e público, o que leva a crer que o formato seja cada vez melhor aceito pelas emissoras. A poucos meses de iniciar sua sétima temporada, a comédia da família moderna é a única grande produção do gênero que segue esse estilo. Fica a torcida para que não esperem seu cancelamento para que outro mockumentary seja desenvolvido.