A produção de séries na televisão inglesa é conhecida por ter uma estrutura narrativa bem diferente da que estamos acostumados a ver nos Estados Unidos, especialmente quando o tema é voltado para jovens.
Em Skins (2007-2013), ao invés de metáforas (muito utilizadas em séries como Dawson’s Creek), vimos um grupo de jovens ingleses fazendo besteiras próprias da idade, sem mascarar ou subestimar seu público.
Em Misfits (2009-2013), por meio de uma história fantasiosa, adolescentes que adquirem superpoderes tentam se encontrar no mundo, mesmo se sentindo estranhos e desajeitados.
Mas em My Mad Fat Diary (que estreia sua terceira e última temporada esta semana, na Inglaterra) um assunto extremamente relevante é colocado em evidência, ainda que muitos não levem a sério: a depressão na adolescência.
Baseado no livro My Fat, Mad Teenage Diary, escrito por Rae Earl, a série foi criada pela própria escritora. Situada na década de 1990, a história acompanha a vida de Rae (Sharon Rooney), uma jovem obesa de 16 anos que vive em Lincolnshire (leste da Inglaterra) com sua mãe excêntrica (Claire Rushbrook).
Recém saída de um hospital psiquiátrico, ela se vê jogada em um mundo no qual não se sente à vontade. Rae ainda conta com seus amigos Chloe (Jodie Comer), sua amiga de infância que, muitas vezes, não parece tão amiga assim; Finn (Nico Mirallegro), um menino a quem Rae não gosta a princípio, mas que mais tarde se torna seu primeiro amor; Archie (Dan Cohen), amigo íntimo de Rae, que se revela gay no decorrer da primeira temporada, mas prefere viver no armário com medo da homofobia; Chop (Jordan Murphy), um garoto sem muita educação, mas divertido; Izzy (Ciara Baxendale), a menina mais querida do grupo, alegre e otimista; Tix (Sophie Wright), melhor amiga de Rae enquanto ela estava internada; Danny (Darren Evans), outro paciente do hospital e, por fim, Kester (Ian Hart), psiquiatra de Rae que a ajuda a enfrentar seus problemas.
My Mad Fat Diary, assim como sua protagonista, esconde um humor agradável que acaba fazendo o público ter a impressão de que a produção é leve, mas a seriedade do drama retratado na tela é algo raro em séries voltadas ao público jovem.
Rae não se sente apenas uma garota com problemas de peso, mas, de fato, um peso morto no mundo. Assim, é extremamente emocionante a cena em que a garota imagina ter um zíper nas costas, trocando de pele e fingindo ser outra pessoa, algo que diversos adolescentes sentem hoje em dia – e, talvez, todos nós.
Sem tentar diminuir os sentimentos da personagem, My Mad Fat Diary discute a fundo as consequências da depressão nos jovens, assunto ainda visto com banalidade por muitos. O grande acerto é que a série não faz isso de forma didática ou por meio de lições de moral, mas mostrando o mundo pelos olhos de uma garota que sofre diariamente não somente com piadas, mas com sua própria mente.
Sem tentar diminuir os sentimentos da personagem, My Mad Fat Diary discute a fundo as consequências da depressão nos jovens, algo cada vez mais comum.
My Mad Fat Diary consegue ser extremamente sensível e sincera. Tudo soa autêntico em sua narrativa e a atuação de Sharon Rooney entrega uma Rae complexa, carismática, engraçada, ao mesmo tempo em que é irritante, já que projeta sua insegurança nos outros, sempre se olhando no espelho e repetindo como é gorda, ridícula, feia e sem perspectiva.
Embora, muitas vezes, lembre o roteiro visceral de Skins, a série de Rae jamais peca pelos exageros. Se na produção de 2007 os adolescentes se drogavam e não pensavam nas consequências, em My Mad Fat Diary os jovens são perfeitamente críveis, assim como os adultos não são alheios ao que acontece ao seu redor.
A série ainda carrega um ar dos anos 90 que apenas ajuda a produção a se tornar mais interessante. Com uma trilha sonora repleta de clássicos do rock da época, os personagens não têm celular, computador ou qualquer outra tecnologia que os façam fugir da realidade.
E ainda que Rae sofra, ela jamais aparece como vítima. Rae se boicota, se afasta de quem a tenta ajudar e procura nunca se destacar, ao mesmo tempo em que é engraçada, forte, determinada e leal aos amigos. E o roteiro acerta ainda mais ao mostrar as qualidades (e defeitos) de Rae apenas para o público, já que ela dificilmente se vê com bons olhos.
Assim, a história se torna comovente quando acompanhamos todos os passos errados que a garota dá, para que, aos poucos, vá ganhando confiança, mas os roteiristas jamais fazem isso de forma amena. Portanto, é quase impossível sair ileso das duas temporadas, já que as histórias entregam situações pesadas, que geralmente são ignoradas na televisão, como tentativas de suicídio entre jovens e distúrbios alimentares.
A grande mensagem da série acaba sendo clichê, mas que jamais deve deixar de ser repetida incansavelmente para uma faixa etária que está construindo sua forma de ver o mundo e se aceitar nele. Assim, o canal E4, que exibe a produção na Inglaterra, sempre termina os episódios informando que, se alguém se identificar com os problemas da protagonista, deve buscar ajuda.
Em uma sessão de terapia, Rae precisa se imaginar criança e repetir todas as atrocidades que ela repete a si mesma durante anos: gorda, feia, desperdício, burra. Rae não consegue. No final, ela repete, mesmo sem muita confiança, que é perfeita.
O impacto da frase na vida de Rae – e consequentemente na do público – faz de My Mad Fat Diary uma produção obrigatória não somente aos adolescentes, mas a qualquer um que se sente desconfortável em sua própria pele.
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