É uma festa: em uma casa, dezenas de pessoas dançam, bebem, se beijam, usam drogas, comem e conversam. Nada fora do comum. Três jovens observam a cena de longe, por cima de um muro. Um menino os encontra, dá uma garrafa de cerveja a cada um e anuncia: “Absorvam. Daqui a pouco nós seremos assim. Isso é o ensino médio”.
A conversa continua, até que sons de tiros irrompem no ar. Todos, inclusive os jovens, saem correndo. “Esse foi um 38”, grita um deles. “Não, foi um 45”, discorda outro. Mais um disparo: “357”, concordam em meio a risadas.
Essa é a primeira cena de On My Block, produção original da Netflix que estreou em março. Se por um momento pensei que estava diante de um clichê, logo percebi que não era o caso.
A série já sai do padrão ao ter um elenco majoritariamente latino e negro, população sub-representada na ficção norte-americana*. Situada em Freeridge, bairro ficcional de Los Angeles, On My Block conta a história de cinco adolescentes que encaram os desafios de crescer e amadurecer em um contexto conturbado — e extremamente real.
A comédia pertence ao gênero coming-of-age, característico de produções que acompanham a passagem da adolescência à vida adulta — temática que não é nova e que dificilmente surpreende. Mas quanto a isso, On My Block é extremamente refrescante: finalmente uma série do gênero não ignora a realidade. Questões que em outras produções seriam temáticas de episódios inteiros ou, do contrário, totalmente ignoradas, como o uso da maconha ou a violência nas ruas, são retratadas com a naturalidade do que é real e intrínseco à sociedade.
Todos os personagens nos surpreendem em algum momento, além de representarem a cultura latina de forma realista, sem exageros ou didatismo excessivo.
Homens aleatórios dando em cima de uma menina na rua são momentos tão comuns quanto passageiros. Sexo é representado com a naturalidade que merece — afinal, é raro encontrar um jovem de 14 anos para quem esse seja um tema novo. A morte não é ignorada, tampouco a pobreza ou o racismo, e discussões como a objetificação do corpo feminino são colocadas na mesa.
Grande parte da genialidade da produção está na forma como essa realidade se entrelaça perfeitamente com uma comicidade louvável. É difícil passar mais de cinco minutos sem rir em voz alta, muitas vezes ao tom de um humor ácido e carregado de críticas sociais.
Essa mesma sensibilidade usada para intercalar momentos leves e assuntos sérios está presente ao falar de temas sensíveis à adolescência. O primeiro baile e a primeira vez traficando drogas coexistem em um mesmo episódio, ambos tratados com a sutileza tão necessária às primeiras vezes.
Personagens fortes e tridimensionais
Os personagens são construídos com cuidado: tanto os protagonistas quanto os secundários, como Oscar e Abuelita, nos surpreendem com sua complexidade ao longo da narrativa. Em um segundo, o ódio vira amor e o incômodo, empatia. Se em algum momento imaginávamos que conhecíamos o personagem, no seguinte ele nos surpreende: seja Oscar ao expressar seus sentimentos pelo irmão mais novo ou Olivia, que foge totalmente do já esgotado estereótipo da menina atraente retratada como vilã.
Em On My Block, até a sutileza do desnecessário nos encanta: o sarcasmo e as respostas ácidas de Monse nos aproximam da protagonista, uma afro-latina aspirante a escritora com a boca maior que ela mesma. Todos os personagens nos surpreendem em algum momento, além de representarem a cultura latina de forma realista, sem exageros ou didatismo excessivo.
A série tem sua cota de problemas, técnicos ou estruturais. Para citar um, Olivia, fazendo só 15 anos? Não, não mesmo. A excessividade de Jasmine também não faz meu gosto. Mas tais “falhas” são facilmente esquecidas em frente ao enorme refresco que é, finalmente, ver adolescentes reais em um contexto real sendo representados na televisão.
*Um estudo da Universidade do Sul da Califórnia (USC) mostrou que, de novecentos filmes norte-americanos líderes de venda, somente 3,1% dos personagens com fala eram latinos. Enquanto isso, a etnia corresponde a 17,8% da população dos Estados Unidos. O mesmo estudo apontou que 25% dos filmes mais populares de 2016 não tinham sequer um personagem negro ou afro-americano, apesar de representarem 13% da população do país.