Chegou a fall season, aquele momento desesperador em que diversas emissoras lançam novas séries para fisgar a audiência e tentar um novo sucesso para a temporada 2017/2018. Nós, pobres viciados em seriados, queremos ver tudo para não ficar de fora, complicando ainda mais nossa agenda e vida social. São tantas séries que chega a ser um alívio saber que muitas serão impiedosamente canceladas. Afinal, a estratégia das emissoras é jogar um milhão de produtos para que dois ou três caiam no gosto do público.
Para começar, nesta primeira parte, a coluna “Olhar em Série” analisa os primeiros episódios de sete novas séries. Confira as primeiras impressões e quais parecem ter um futuro promissor (ao menos na minha grade particular). Lembrando que a coluna analisa apenas os primeiros episódios, então uma série ótima pode se tornar péssima no decorrer das semanas, assim como uma série ruim pode encontrar seu caminho.
Na semana que vem, as primeiras impressões continuam.
The Orville (FOX)
A fall season começou bem mal, infelizmente. A primeira estreia da FOX é uma sátira de Star Trek e tem a assinatura de Seth McFarlene, o criador de Family Guy. A produção futurista se passa no século 24 e conta a história de Ed Grayson (MacFarlane), que acaba de enfrentar um divórcio após flagrar sua esposa transando com um alienígena. Ele assume a missão de comandar a nave exploratória Orville e vê neste trabalho a chance de recomeçar sua vida. Quando o capitão começa a montar sua equipe para tripular a nave, ele descobre que uma das pessoas será sua ex-esposa, Kelly Grayson.
Uma série ótima pode se tornar péssima no decorrer das semanas, assim como uma série ruim pode encontrar seu caminho.
A série até tem uma proposta bacana, é bem feita e espertinha, mas não funciona na maior parte do tempo. Levei um susto quanto comecei a ver e percebi que o episódio tinha 42 minutos de duração. Achei que fosse somente o piloto, mas não. Os episódios são longos, as piadas são fracas, quase infantis, a montagem tenta brincar com a de Star Trek dos anos 1960, mas nada soa orgânico.
É até bacana a proposta de uma série leve, com episódios ao estilo “monstro da semana”, mas o texto ingênuo e o drama dos personagens não causa emoção alguma. Além disso, McFarlene pode ser um ótimo produtor e roteirista, mas como ator é um sofrimento, o que faz com que a gente ache tudo tosco demais, mas sem ser engraçado.
The Deuce (HBO)
Essa, mesmo não fazendo parte da fall season tradicional dos canais abertos, tem tudo para ser a série mais elegante e bem escrita do ano. Criada por David Simon e George Pelecanos, as mentes por trás de The Wire, The Deuce se passa na Nova York da década de 1970 e conta os bastidores da indústria pornográfica sob o ponto de vista da legalização da indústria e sua lucratividade, acompanhando sua ascensão até meados da década de 1980, quando teve início a epidemia de Aids.
Como de praxe, David Simon não tem a menor pressa em contar sua história e é quase absurda a atenção que ele dá aos detalhes. Sem julgar seus personagens, a série vai num fluxo e ritmo muito interessantes, em um universo que lembra muito as obras de Scorsese, mas sem necessariamente parecer uma cópia. Todo o elenco está afiado e a série consegue estabelecer subtramas que vão complementando a história principal de forma orgânica, graças a um roteiro muito bem escrito.
A ambientação da época também é de encher os olhos, mas é na história daquelas pessoas que a série encontra muita força. Como também já é tradição, a produção de David Simon não deve chamar tanto a atenção do público, mas a HBO já mostrou sua confiança nele diversas vezes, tanto que The Deuce já está renovada para sua segunda temporada.
Young Sheldon (CBS)
Bom, particularmente eu não tenho a menor paciência com The Big Bang Theory ou com nenhuma série do Chuck Lorre (Two and a Half Man, Mike & Molly, Mom), mas a audiência ama. Tanto é que o spin-off de TBBT foi uma das maiores estreias da temporada (17 milhões de espectadores) e já recebeu sinal verde da CBS para a produção completa de 22 episódios.
Como o próprio título já acusa, Young Sheldon é um prequel de The Big Bang Theory e acompanha a vida de Sheldon Cooper aos 9 anos de idade, vivendo com sua família no leste do Texas e entrando no ensino médio devido à sua inteligência descomunal. Jim Parsons participa como narrador do seriado pela perspectiva do Sheldon adulto.
O interessante é que a série quebra a linguagem de sitcom tradicional da produção original e mostra o universo de TBBT de uma maneira, digamos, mais condizente com as comédias atuais, o que pode atrair um público maior e não somente aqueles que são fãs da série-mãe. Mesmo assim, a audiência de Young Sheldon foi basicamente a mesma da estreia da nova temporada de TBBT, o que mostra que ela é uma excelente fan-service. É bem feita, correta, engraçadinha, simpática e certamente terá vida longa.
Me, Myself & I (CBS)
Assim como no ano passado eu fui ver The Good Place achando que era uma bomba e me surpreendi, estava preparado para ver Me, Myself & I e falar mal. Novamente fui surpreendido! Criado por Dan Kopelman, a série acompanha a vida de um homem, Alex Riley, em três diferentes épocas de sua vida: enquanto um adolescente de 14 anos, em 1991; aos 40 anos, em 2017; e aos 65 anos, em 2042.
Com exceção da narrativa no futuro, a série não consegue estabelecer muito bem as épocas e todas as histórias parecem ocorrer no tempo atual, mas isso não a enfraquece. Com personagens carismáticos e com um ótimo timing, Me, Myself & I é daquelas que pegam as desgraças da vida e a transformam em ironia e lições bacanas sem forçar a barra.
As melhores histórias ficam por conta de Alex enquanto adolescente, vivido pelo excelente Jack Dylan Grazer (o Eddie, de IT – A Coisa), e John Larroquette (vencedor de diversos Emmys por Night Court, clássica série dos anos 80). O primeiro consegue mostrar toda a angústia de ser um adolescente no ensino médio e o segundo toda a reflexão que só vem depois de muitos anos de experiência. A vida adulta atual cai um pouco no lugar comum, mas o protagonista é carismático o suficiente para a gente querer ver muito mais. Me, Myself & I consegue andar no terreno do clichê muito bem e é um frescor no meio de tanta sitcom tradicional ou bobinha nos canais abertos.
The Good Doctor (ABC)
Estou particularmente ofendido. Não entendo como David Shore, a pessoa que criou a excelente House, M.D. consegue fazer um negócio tão ruim. Além disso, não entendi como tanta gente achou essa estreia linda, emocionante e maravilhosa. Baseada em um drama sul-coreano, a série traz Freddie Highmore (Bates Motel) como Shaun Murphy, um jovem cirurgião com autismo e savantismo que chega para trabalhar no Hospital San Jose St. Bonaventure.
A série começa errada desde o primeiro segundo, com aquele velho clichê de alguém passando mal, um médico chegando para socorrer e conseguindo fazer praticamente uma cirurgia com um estilete, uma garrafa de whisky e um tubinho de plástico. Um McGyver da medicina. No final, as pessoas exclamam: “Meu Deus, ele salvou a vida do menino!”, e todos explodem numa sonora salva de palmas. Essas palmas se repetem lá pelo final do episódio.
Tudo é ridículo, os flashbacks parecem ter saído de uma novela mexicana (como todo respeito à qualidade das novelas mexicanas) e os diálogos parecem ter sido feitos por pessoas que nunca viram televisão na vida. O protagonista parece um House mais novo, do tipo “As aventuras de House na juventude”. Chega a ser constrangedor. Mas o pior de The Good Doctor é que ela subestima todo o seu público.
Contrastando com a inteligência fora do normal do protagonista, a série trata a audiência como burra, inserindo explicações didáticas demais e cenas milimetricamente feitas para emocionar. Cada frame é inserido para nos dizer como a série é incrível e linda e quer tocar o ser humano. Entretanto, e sei que é extremamente arrogante dizer isso, para quem não viu muitas séries na vida ou está acostumado apenas com as produções de canal aberto americano, The Good Doctor pode ser bastante eficiente. Ah, e Freddie Highmore está bom, mas parece apenas que Norman Bates virou médico.
Law & Order True Crime: The Menendez Murders (NBC)
Pegando carona no sucesso de American Crime Story, a franquia Law & Order resolveu também criar sua própria minissérie para contar crimes reais que marcaram os EUA, mas agora para o público de TV aberta e utilizando a mesma estética das outras séries do universo Law & Order. Embora não tenha sido tão impactante quanto a estreia de ACS, Law & Order True Crime começa promissora contando a história do assassinato dos Menendez — irmãos que mataram os pais para ficar com a herança. A série vai abordar a equipe de defesa dos irmãos, liderada por Leslie Abramson (Edie Falco, sempre excelente) e todos os bastidores do julgamento mais midiático antes de O.J. Simpson e que chocou os EUA.
L&O True Crime consegue estabelecer um clima de mistério e a gente quer saber como tudo ocorreu, mas depois de American Crime Story fica difícil não comparar as duas, especialmente porque a ideia da série é a mesma. Talvez o que enfraqueça a produção seja o medo do canal ou dos roteiristas em levar um processo nas costas, já que eles insistem em dizer que a obra se utiliza do caso real, mas que podem mostrar situações inventadas, o que quebra o ritmo. E se na série de O.J. Simpson tudo parecia quase documental, em L&O True Crime nós conseguimos nos distanciar. A forma como eles contam os fatos também soa um pouco datada demais, como se estivéssemos vendo um episódio qualquer de Law & Order. Mesmo assim, o caso é bom e a historia se sustenta por ela mesma. Basta que os roteiristas saibam contá-la.
The Gifted (FOX)
Minha preguiça com séries de super-heróis e mutantes sumiu logo nos primeiros minutos de The Gifted. Ambientada no universo dos X-Men, a trama gira em torno da família Strucker, cuja vida vira uma luta pela sobrevivência após a descoberta de que os filhos adolescentes são mutantes em um período político complicado para pessoas com superpoderes. Para piorar, o pai dos jovens trabalha caçando mutantes e precisa rever os próprios conceitos quando os filhos começam a ser caçados.
A série não mostra muita novidade em relação a inúmeras histórias parecidas e nem traz o visual impressionante de Legion, outra série da FOX do mesmo universo, mas, mesmo sem originalidade, The Gifted consegue criar um clima interessante e encontra força em seus personagens, todos facilmente empáticos. O clichê, quando bem trabalhado, pode oferecer uma história irresistível. Todas as tramas e subtramas têm ritmo, empurram a narrativa para a frente e deixam o público ansioso.
A estreia, aliás, termina com um ótimo gancho e o episódio jamais soa cansativo. O primeiro episódio foi dirigido por Bryan Singer (que assinou os longas dos X-Men) e traz cenas cinematográficas, como as aranhas sentinelas ou a explosão no colégio. Ainda é cedo para dizer se a série vai vingar ou não, mas o primeiro episódio consegue deixar tudo bastante curioso.