Ryan Murphy (American Crime Story, American Horror Story, Glee) poderia ter escolhido um caminho bem mais fácil para contar a famosa rixa entre Bette Davis e Joan Crawford em sua nova antologia, Feud: Bette and Joan. Afinal, os jornais forneceram material suficiente sobre as duas, que vão desde declarações para lá de polêmicas até agressões em cena. Entretanto, Murphy, que vem se especializando em antologias, prefere falar sobre dois assuntos muito caros em Hollywood: o sexismo e a crueldade da indústria com atrizes mais velhas.
Em meados dos anos 1950, Bette Davis (Susan Sarandon) e Joan Crawford (Jessica Lange) já sentiam o peso da idade numa indústria que valoriza atores jovens, especialmente mulheres. Nada muito diferente do que é hoje. Sem nenhum filme relevante e acumulando dívidas, as duas atrizes precisavam de trabalho. O diretor Robert Aldrich (Alfred Molina) procurava o respeito da crítica, assim como Crawford, que queria uma papel à altura de seu talento. Após ler um livro de suspense, Crawford leva até Aldrich a ideia de um filme de terror sobre uma atriz decadente e louca que, agora envelhecida, mantém sua irmã como refém dentro de casa.
O diretor gosta da proposta e leva um roteiro para o chefe dos estúdios Warner, Jack Warner (Stanley Tucci). Warner aceita, mas com uma única condição: a rivalidade entre as duas atrizes deveria ser sentida na tela e, para isso, o diretor precisaria fazer com que as duas se odiassem ainda mais. Assim, a série começa a contar os bastidores da gravação do icônico filme O que terá acontecido a Baby Jane?.
Tal como suas personagens, Sarandon e Lange experimentaram a rejeição de Hollywood e, hoje, ganham espaço na televisão, um meio que, de certa forma, se arrisca muito mais do que o cinema.
Na vida real, a briga entre as duas alimentava as colunas de fofocas e movimentava a bilheteria dos cinemas – o filme foi um sucesso e, hoje, é considerado um clássico. A série mostra tudo isso e é bastante divertido ver as tais brigas homéricas entre as duas (sendo verdade ou não). A recriação daquela época também impressiona, graças ao belo trabalho da designer de produção Judy Becker (Joy, Carol). Mas a força da série está no contexto social.
Feud é sobre sexismo e sobre como a indústria sempre foi cruel com as mulheres, seja na frente ou atrás das câmeras. E é bastante incômodo constatar que os fatos ocorridos há mais de 50 anos ecoam fortemente nos dias de hoje, especialmente quando ainda se discute a equiparação salarial entre homens e mulheres.
Dessa forma, Feud ganha força quando compartilha com o público as cenas de interação entre Bette e Joan. Susan Sarandon e Jessica Lange entregam uma interpretação delicada e inteligente porque, tal como suas personagens, as atrizes experimentaram a rejeição de Hollywood e, hoje, ganham espaço na televisão, um meio que, de certa forma, se arrisca muito mais do que o cinema.
Feud, então, mostra diálogos pertinentes e emocionantes e joga luz sobre o tema, colocando duas grandes mulheres em cena falado sobre o que era ser mulher nos anos 1950, traçando um paralelo sobre o que é ser mulher hoje em dia, especialmente uma mulher atriz. Lange parece um pouco forçada no início, mas basta pesquisar algumas entrevistas com Joan Crawford para saber que a atriz sempre soava teatral, exagerada. Enquanto isso, Sarandon traz uma Bette Davis bastante humana e forte, uma mulher sem medo de mostrar lágrimas ou fracassos, o que, de certa forma, a torna uma personagem bem mais agradável.
Com metade da direção da série sendo conduzida por mulheres, Feud consegue falar sobre o poder e a força das mulheres em uma indústria comandada por homens poderosos. Desde a excelente abertura da série, que mostra uma homem manipulando duas marionetes, Feud afirma que a tal rixa entre Davis e Crawford foi quase inteiramente fabricada, até que as duas passassem a se odiar de verdade. A série ainda afirma que Hollywood foi construída em cima de grande nomes femininos, como Greta Garbo, Katharine Hepburn, Judy Garland, Bette Davis e Joan Crawford e que essas estrelas sempre foram manipuladas e exploradas por homens e seus estúdios. O talento acaba ao sinal da primeira ruga.
Com a promessa de ser uma das melhores minisséries do ano, Feud: Bette and Joan conta não apenas uma das maiores rivalidades no cinema, mas abre uma discussão importantíssima para a indústria do entretenimento e certamente será a tônica dos discursos nas premiações do Emmy e Globo de Ouro, prêmios que certamente virão.
Em tempo, Feud é a nova antologia de Ryan Murphy, que a cada temporada vai focar em alguma rivalidade entre personalidades midiáticas.