Bem antes dos escândalos envolvendo o nome de Kevin Spacey, o público entrou em contato com a quinta temporada de House of Cards, a última com Spacey como protagonista. Depois da terceira e quarta temporadas irregulares, havia uma expectativa do que o quinto ano da série poderia proporcionar – e, não é bobagem afirmar, existia um receio de que um Estados Unidos real com Donald Trump à frente não seria um páreo fácil para o show.
A resposta veio ao fim da temporada: com um roteiro afiado e Robin Wright soberba no papel de Claire Underwood, House of Cards tornou a entrar nos trilhos, enquanto mostrou que por mais doida que a política do mundo real esteja, a ficção pode ser capaz de contorná-la e criar um produto interessante.
A quinta temporada de House of Cards marcou, ainda, o primeiro ano sem Beau Willimon como showrunner. Com Melissa James Gibson e Frank Pugliese no comando, o seriado tornou a ser empolgante, ainda que haja quem considere certos aspectos do programa frustrantes, em especial pela lentidão da narrativa. Esta temporada se concentra, justamente, em trazer à tona os pecados de Frank. Ainda que pouco envolventes, esses fantasmas que o perseguem deram um dinamismo interessante, mas que ganhou densidade realmente com o desenvolvimento de Claire e sua ascensão política. Também souberam dar mais camadas ao entediante Tom e a Doug Stamper, anteriormente perdidos na trama da série.
A quinta temporada teve início poucas semanas antes das eleições. Frank e Claire Underwood estão às voltas com a campanha de terror parcialmente fabricada por eles, de modo a mascarar os inúmeros escândalos em que se envolveram.
Enquanto isso, seu oponente – uma tentativa realmente frustrada de criar-lhe um antagonista fora do próprio casamento -, Will Conway (Joel Kinnaman), passa a sentir o estresse de viver uma campanha presidencial, e tenta encontrar em Mark Usher, estrategista político contratado pelo lado republicano, a ferramenta capaz de levá-lo até a linha de chegada – preferencialmente eleito, é claro.
Não apenas o arco narrativa de Claire foi bem trabalho nestes anos, como a atuação impecável da atriz tem sido uma das coisas mais brilhantes, ao menos nas produções originais da Netflix.
Se podíamos apontar o quão pouco crível (além de controverso) era a situação em que os Underwood estavam (a barra forçada que foi a indicação de Claire ao cargo de vice-presidente, por exemplo), dar mais espaço a Robin Wright havia sido um dos poucos acertos nos dois últimos e conturbados anos. Não apenas o arco narrativa de Claire foi bem trabalho nestes anos, como a atuação impecável da atriz tem sido uma das coisas mais brilhantes, ao menos nas produções originais da Netflix. E se Frank vinha encolhendo e sendo engolido por sua esposa, Claire cada vez mais demonstrava situações em que tinha mais jogo de cintura que o marido.
E se há quem reclame da falta de veracidade das situações retratadas, há pequenos detalhes (e nem sempre tão pequenos) que sempre nos fazem lembrar da importância da série – que outro show dá tamanha dimensão à nossa ideia de espaço político representada pela Casa Branca do que House of Cards? Para completar, todos os escândalos do último pleito eleitoral norte-americano envolvendo Donald Trump e Hillary Clinton demonstraram que o apetite dos atores políticos, inclusive os que vivem às sombras, não são tão irreais. Fraude eleitoral, distorção midiática, fake news, grupos terroristas e a interferência russa na eleição americana deram a tônica nesta temporada, mostrando que a ficção está bem alinhada com a realidade. Em contrapartida, os acertos deste ano deixaram evidente os erros criativos tomados nos anteriores – e isto, como efeito colateral, talvez tenha prejudicado o programa.
Não termos Spacey na próxima temporada já se mostrava bem acessível, antes mesmo da divulgação dos escândalos. O público já estava cansado da falta de traquejo do político (e do personagem), sempre resultando em intrigas e nada mais. Frank foi constantemente acuado pela esposa, o que fez com que seu personagem precisasse despertar. E justamente o que a série mostrou com o quinto ano é que o antagonista à altura que lhe faltava poderia ser encontrado em Claire, a escolha certa. O próximo desafio, agora, além de manter a série em alto nível, é encontrar um antagonista à altura da personagem de Wright.