Samantha! é a primeira comédia brasileira produzida pela Netflix e já vem com a assinatura de Alice Braga e Chuck Lorre (The Big Bang Theory). Se pensarmos em 3% (boa, porém cheia de falhas técnicas e com diálogos sofríveis) e O Mecanismo (tecnicamente boa, porém terrivelmente mal escrita), a sitcom é o primeiro grande acerto da plataforma, ou ao menos um acerto mais linear. Tem falhas básicas, quase amadoras, mas que não comprometem a diversão. Quase tudo em Samantha! funciona.
Samantha (Emanuelle Araújo) foi uma criança-fenômeno nos anos 1980 liderando a Turminha do Plim Plom. Apresentadora de TV, cantora e responsável por centenas de produtos licenciados com seu nome, a menina de nove anos era amada pelo Brasil e odiada pelos colegas de trabalho, já que seu comportamento era péssimo. Com o fim do programa, Samantha caiu no ostracismo e vive, 30 anos depois, fazendo de tudo para aparecer na mídia e reviver seus dias de glória. Para isso, ela conta com a ajuda de seus dois filhos Cindy (Sabrina Nonato) e Brandon (Cauã Gonçalves), além do seu ex-marido Dodói (Douglas Silva), ex-jogador de futebol famoso que foi preso por envolvimento com drogas.
A série viaja em diversas pérolas dos anos 1980 e as compara com as bizarrices de hoje.
É bem possível que o público de outros países entenda algumas referências da série, mas somos nós, brasileiros, que conseguimos ter uma experiência engraçadíssima. Desde a Turma do Balão Mágico e o Clube da Criança até o fenômeno da Xuxa na Globo, Samantha! faz uma sátira afiada e hilária do mundo nostálgico que insiste em não crescer. Da boneca que escondia uma faca e ganhava vida de madrugada até os discos que tocavam mensagens demoníacas se ouvidos ao contrário, a série viaja em diversas pérolas dos anos 1980 e as compara com as bizarrices de hoje.
Com diálogos e sacadas muito bem elaboradas, Samantha! consegue dialogar com a cultura pop atual, como os conteúdos das redes sociais, YouTubers e programas de auditório estranhos. Há, também, uma interessante discussão sobre a relevância da televisão quando, hoje, todos consomem conteúdo pela internet. Samantha é a personificação de várias subcelebridades e celebridades que foram alçadas a postos de rainha nas décadas passadas e não conseguem evoluir. Samantha! não tem nenhum medo de fazer referências claras a essas personalidades (há uma forte semelhança com Simony) e nem de mostrar que a nostalgia só é legal por alguns minutos.
Emanuelle Araújo se destaca muito bem e, diferentemente de sua personagem, deixa todo mundo brilhar, o que confere algo imprescindível em uma comédia: todos têm química. Mesmo que estejamos vendo absurdos na tela, não é nada muito diferente do que acompanhamos todos os dias na vida real, como a turma de um balão que voltou a se reunir até shows para celebrar uma época de sucesso. Samantha! tem um olhar cômico, porém respeitoso, sobre a síndrome de Peter Pan dos anos 80.
O único problema é que a série carece de um cuidado maior com o roteiro, diálogos e aspectos técnicos, como o som. Diversas vezes o texto soa forçado, obrigando os atores a rebolarem para deixar as falas naturais. Ao mesmo tempo, temos uma sincronização de som esquisita que dá a impressão de que os atores dublaram algumas cenas e o áudio foi inserido em cima. Esses pequenos erros comprometem um pouco a qualidade do material, mas nada que possa estragar a diversão.
Com uma série que traz um enorme potencial para ser explorado, Samantha! faz um passeio no que o Brasil produziu de melhor e pior em termos de entretenimento. No fim, nada mais é do que nosso feed do Instagram e nossos programas de auditório aos domingos. E não há nada mais hilário do que acompanhar isso por um ótica irônica.