“Há pessoas que por mais que paguem são condenadas mesmo erroneamente. E há pessoas que se livram da culpa porque sabem montar uma defesa eficaz. Se eu acho injusto? Claro que sim. Mas num sistema capitalista como o nosso, os mais ricos dirigem Cadillacs e quem não tem dinheiro compra um carro usado.”
A frase acima é dita por uma das personagens presentes no documentário da HBO, The Jinx: A Vida e as Mortes de Robert Durst, e resume bastante o sistema jurídico do mundo todo, além de definir bem outro documentário similar e que virou febre mundial, Making a Murderer. Dirigido pelo cineasta Andrew Jarecki (Entre Segredos e Mentiras*), The Jinx é uma série documental em seis capítulos sobre o herdeiro milionário nova-iorquino Robert Durst. O diretor investiga a complicada e reclusa vida real de Durst, um homem complexo, frio, tido como o principal suspeito de uma série de crimes não solucionados.
Diferentemente de Making a Murderer, The Jinx é construído conforme o público vai assistindo, inclusive mudando a própria história de acordo com as investigações. Os produtores conseguem uma importante gravação que muda completamente o rumo de tudo o que é visto até então (algo bem parecido com o que aconteceu com Suzane Von Richthofen, em uma reportagem do Fantástico, quando o áudio do microfone de Suzane vazou). Por isso, antes de falarmos do documentário enquanto entretenimento, é importante ressaltar que The Jinx nos leva a um sério questionamento: o jornalismo investigativo pode interferir em casos policiais?
A pergunta é pertinente porque os produtores tiveram acesso a importantes provas que solucionavam o caso e as seguraram até que as gravações estivessem concluídas. Eles se defendem, dizendo que não trabalhavam como policiais, mas como jornalistas e cineastas e que só perceberam a chocante revelação quando estavam na sala de edição, meses depois da gravação original. Sem interferência de autoridades legais, Andrew Jarecki conseguiu 25 horas de entrevista com Durst e solucionou dez anos de investigação com apenas uma gafe de Durst, apresentada ao público na última cena do último episódio. Já a polícia declarou que a investigação seguiu um curso próprio e que a conclusão do caso logo após a exibição do documentário foi coincidência. Dizer mais do que isso seria estragar a experiência de quem não viu (por isso, evite o Google para saber do caso).
A questão principal é até onde o diretor contribuiu com as investigações, desempenhando um importante papel do jornalismo, e até onde utilizou o argumento para criar um sensacionalismo puro, entendendo a palavra sensacional não apenas como a busca pela verdade, mas a busca pela audiência.
Narrativamente, o documentário não traz nenhuma novidade. Se em Making a Murderer, por exemplo, temos horas e horas de gravações reais, originais e uma impactante apuração jornalística, ainda que parcial, The Jinx é mais preguiçosa. Se preocupa bastante com sua trilha sonora (excelente, por sinal) e em simular o que não pode ser mostrado ao público, mas o documentário perde um pouco de força quando o separamos de seu desfecho impactante (que foi conseguido por acidente) e pensamos apenas no suspense da narrativa, que por vezes se torna repetitiva.
The Jinx é um produto provocativo, seja por causa do seu inquestionável valor jornalístico, seja por ser seu claro sensacionalismo.
Porém, The Jinx conta com um personagem real extremamente carismático. Robert Durst parece vir das histórias mais macabras de assassinos frios e calculistas, mesmo que o público não saiba se ele realmente cometeu os assassinatos. Sua combinação de carisma, frieza, inteligência e uma serenidade assustadora conquistam a audiência. Com um olhar reptiliano, Durst dá medo, ao mesmo tempo em que atrai, nos fazendo questionar se ele é realmente um assassino ou um azarado (o “jinx” do título), que estava sempre no lugar e na hora errados.
The Jinx é um produto provocativo, seja por causa do seu inquestionável valor jornalístico, seja por ser seu claro sensacionalismo – e até mesmo um pouco de soberba por parte do diretor, que pbviamente percebeu ter uma bomba nas mãos, mesmo que tenha a conseguido por acidente. Enquanto produto de entretenimento, The Jinx é quase um passeio dentro da mente de uma pessoa bastante perturbada, e o nível de acesso às provas e ao próprio Durst torna tudo ainda mais interessante.
Já enquanto produto jornalístico, The Jinx prova que quando a mídia resolve acusar e investigar, não há presunção da inocência que se sustente.
*Entre Segredos e Mentiras é um suspense de 2011, também dirigido por Andrew Jarecki, que conta a história de Robert Durst, estrelado por Ryan Gosling e Kirsten Dunst.