Transparent foi ao ar pela primeira vez (e com a série completa, é importante frisar) em fevereiro de 2014. Àquela época, a Amazon Studios ainda esboçava que iria se tornar uma forte concorrente ao serviço de streaming que já dominava o mercado (sim, a Netflix). De lá para cá, a série de Jill Soloway liderada por Jeffrey Tambor caiu no gosto de público e crítica, ainda que haja quem a inclua como uma série de comédia (ou dramédia, se assim preferir o leitor).
Não é apenas o roteiro das três temporadas que é forte. Um texto tão primoroso é fundamental, mas ele ecoa de forma muito maior tendo Tambor no papel de Maura Pfefferman. A terceira temporada demonstrou que não podemos acreditar que Transparent chegou ao seu auge, porque Soloway, seu time de roteiristas e seu elenco não aceitam a zona de conforto.
É difícil para um show, e por isso louvável o que acontece com Transparent, encontrar um equilíbrio entre o tema central e as tramas adjacentes. Nem sempre coadjuvantes possuem profundidade e recebem espaço para serem bem desenvolvidos. E o desafio não era (e não é) pequeno. Sarah (Amy Landecker), Josh (Jay Duplass) e Ali (Gaby Hoffmann) não são filhos perfeitos com vidas perfeitas, e parece que o vazio e a solidão que enfrentam tornam-se mais doídos nesta temporada.
E temos aqui uma situação curiosa, pois os três vêm de uma mesma família privilegiada, são brancos, de classe média alta, estudados; mas nem isso basta para livrá-los de serem seres humanos e viverem conflitos morais e de relacionamento. E um ponto curioso é como cada temporada parece ter sido “pior” para cada um deles.
Em suma, somos confrontados com um certo preconceito que procuramos esconder: não gostamos de gente bem de vida. Veja bem, ninguém diz (muito menos a série, diga-se) que eles são vítimas das circunstância, mas Transparent também dá margem a refletir que todos somos humanos e enfrentamos conflitos; quem compara e procura definir quem sofre mais ou menos somos nós, não a vida. Aliás, é preciso apontar que mesmo Maura não é poupada ao longa de nenhuma temporada, e é isso que confere tanta riqueza ao personagem interpretado por Jeffrey Tambor (mais uma vez indicado ao Globo de Ouro pelo papel). Soma-se a isso a incrível contribuição de Anjelica Huston no papel de Vicki, com quem Maura estabelece um relacionamento.
Transparent também dá margem a refletir que todos somos humanos e enfrentamos conflitos; quem compara e procura definir quem sofre mais ou menos somos nós, não a vida.
As cargas dramáticas impressas neste relacionamento são de travar a garganta: Maura encontra alguém que a ama exatamente do jeito que é, mas para ela isso ainda não é o suficiente; ela não está completa naquele corpo que não enxerga como seu. Tem Vicki algum direito de interferir nessa situação?
Se havia algum detalhe não muito bem utilizado pela série até então, isto é corrigido na terceira temporada. Os flashbacks que mais confundiam que outra coisa na segunda temporada agora nos fazem voltar Maura, quando ainda criança. O recurso mostra-se fundamental na ampliação de nossa compreensão sobre os conflitos vividos pela personagem.
Por último, mas certamente não menos importante, Shelly (Judith Light), a rabina Rachel (Kathryn Hahn) e Shea (Trace Lysette) ganham espaço na terceira temporada. Solidão, objetificação, depressão e abuso são apenas alguns dos temas trazidos pelas personagens e que servem para demonstrar que Transparent segue seu papel (talvez involuntário em alguns instantes) de exigir espaço e voz ao debate sobre o papel da mulher e da mulher trans na sociedade, tornando-a ainda mais fundamental.
Um seriado que segue incrível e único, capaz até de fazer refletir as relações familiares através de uma metáfora com o sumiço e reaparecimento muitos anos depois de uma tartaruga. O quão incrível isto pode ser, não é mesmo?