O autor Robert Walser (1878 – 1956) morreu e viveu como seus personagens: solitário, em meio ao frio do inverno e quase esquecido. O escritor suíço, admirado por gente do calibre de Kafka, Musil, Calvino, Mann, Gonçalo M. Tavares e Canetti, passou boa parte dos seus quase 80 anos em sanatórios, quartos alugados ou caminhando nos mais variados lugares. Escreveu obsessivamente por muitos anos até se cansar: parou e só retornou esporadicamente.
Os brasileiros conhecem muito pouco de sua vastíssima obra. A Companhia das Letras publicou Jakob von Guten; a Editora 34 reuniu os contos em Absolutamente Nada e Outras Histórias e Arx trouxe O Ajudante, já fora de catálogo – e disponível a preços irreais na Estante Virtual. Figura errática, Walser chegou a ser um escritor conhecido ainda vivo, mas não suportou a “fama” e se escondeu cada vez mais – até ser deixado de lado e redescoberto na década de 1970.
Como Kafka e Bruno Schulz, o suíço retratava o absurdo do cotidiano, esmiuçando as quinquilharias sociais e emocionais que brotavam antes e depois das guerras. Se o checo explorava a burocracia e o polonês o onírico, Walser transitava entre os dois, criando um retrato interessante daquela Europa. O cineasta austríaco Michael Haneke evocou, ao menos para mim, a visão de Walser no belíssimo longa A Fita Branca. Quem lê os relatos de Absolutamente Nada o ou diário de Guten parece ver o mundo em preto e branco: são sempre aldeias sob neve e gente perdida, tentando encontrar seu lugar.
Escritor para escritores
Robert Walser precisa carregar o fardo de ser escritor para escritores, um sujeito distante do ‘grande público’, longe do apelo popular e até mesmo da presença acadêmica.
De certa maneira, e pejorativamente, Robert Walser precisa carregar o fardo de ser aquilo que chamam de escritor para escritores, um sujeito distante do “grande público”, longe do apelo popular e até mesmo da presença acadêmica. Foi personagem de, pelo menos, dois grandes autores contemporâneos: Gonçalo M. Tavares, em Senhor Walser, parte da coleção “O Bairro”, e o catalão Enrique Vila-Matas, no livro Doutor Pasavento.
A admiração é fruto de uma obra feita como tábua de salvação. Walser escrevia com letra miúda, quase ilegível, e suas histórias são o reflexo da paranoia de sua época e daquilo que observava em suas longas caminhadas. Não era muito chegado a pessoas. Não se sabe muito sobre sua vida amorosa. Viveu aqui e acolá, às vezes com os irmãos ou com a irmã, mas sempre sem fixar raízes. Talvez o suicídio do irmão tenha sido o único pessoal, por assim dizer, que realmente o tenha abalado. Diferentemente de Kafka, Walser não tinha um amigo a quem confiar seus originais – que por sorte ficaram com seus editores.
Sua morte, no dia de Natal, aconteceu durante um desses passeios: sofreu um ataque cardíaco fulminante e foi encontrado morto na neve por crianças. A sua foto caído adiante da marca de suas pegadas é emblemática – muito mais fácil de encontrar que uma imagem sua ainda vivo.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.