OTropicalismo foi um grande movimento de ruptura na cultura e na música popular brasileira que aconteceu entre os anos de 1967 e 1969, formado por um coletivo de artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Rogério Duprat e os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto. Quando o movimento surge, em 1967, os antagonismos no campo da música estavam radicalizados entre os “artistas nacionalistas de esquerda” e os “vanguardistas da tropicália”.
A crítica dirigida ao movimento pelos grupos de esquerda era por não usar a música como arma de combate à ditadura militar, já que acreditavam que a inovação estética era uma forma revolucionária por excelência, diferentemente das músicas de protesto. A intenção do tropicalismo era internacionalizar a cultura e moldar uma nova expressão estética com elementos da cultura jovem mundial, como rock, psicodelismo e a guitarra elétrica.
O tropicalismo quebrou as barreiras que separavam o popular, o folclórico e o erudito, uniu a alta cultura com a cultura de massas, realizou um sincronismo nos gêneros musicais e misturou rock, bossa nova, samba, rumba, bolero, baião… mas, como esse comportamento transgressor entendia que a cultura de massas era um fator tão importante quanto as posições revolucionárias, foram taxados como agentes do imperialismo norte-americano.
Parte da importância do tropicalismo surge pelo desenvolvimento de novos padrões estéticos não só na música brasileira, mas também por inspirar outras linguagens artísticas. No caso da literatura, o tropicalismo foi o ponto de convergência das vanguardas mais radicais, como a antropofagia e a poesia concreta dos anos 1950, passando pelos procedimentos de criação da bossa nova. Parte disso aconteceu na renovação das letras de música, feita pelo trabalho conjunto dos letristas e poetas Torquato Neto e José Carlos Capinan com Gilberto Gil e Caetano Veloso. Nesse sentido, a troca mais intensa ocorria com os poetas da vanguarda literária do concretismo, iniciada na segunda metade dos anos 1950.
Foi devido à sua consonância com a postura dos tropicalistas, ambos bebendo da antropofagia oswaldiana e do experimentalismo aberto, que o vínculo da poesia concreta com a música popular aumentou e o movimento se consolidou como parte do repertório da música de massa e da cultura letrada.
Quando surgiu na cidade de São Paulo, o movimento propôs um questionamento acerca da estética da poesia, estruturada em rimas e métricas, e apresentou uma nova estrutura baseada na disposição espacial das palavras em padrões geométricos. Por conta dessa preocupação sobre a materialidade da palavra que os poetas do movimento, como Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, se debruçaram nos aspectos sonoros e gráficos para formular as suas novas expressões poéticas.
O concretismo radicalizou as propostas formalistas que movimentaram parte das vanguardas do início do século. Eles sustentaram as práticas de vanguarda até o seu fim, nos anos 1960. Grande parte das razões para o esvaziamento das experimentações estéticas como as vanguardas entendiam foi a apropriação veloz que os veículos de comunicação faziam das renovações, podando seus potenciais de transformação social – no caso do Brasil, os Atos Institucionais frustraram completamente todas as possibilidades de mudança.
Foi devido à sua consonância com a postura dos tropicalistas, ambos bebendo da antropofagia oswaldiana e do experimentalismo aberto, que o vínculo da poesia concreta com a música popular aumentou e o movimento se consolidou como parte do repertório da música de massa e da cultura letrada (ainda que, de certa forma, o tropicalismo também fosse responsável pela sua desintegração como movimento orgânico, já que suas produções críticas e paródicas desestabilizavam tanto as culturas populares, como as de elite e as vanguardistas). A música “Batmacuba”, de Gil e Caetano, é um dos exemplos da influência direta da poesia concreta no trabalho dos tropicalistas, como mostra a letra da música:
“batmacumbaiéié batmacumbaoba
batmacumbaiéié batmacumbao
batmacumbaiéié batmacumba
batmacumbaiéié batmacum
batmacumbaiéié batman
batmacumbaiéié bat
batmacumbaiéié ba
batmacumbaiéié
batmacumbaié
batmacumba
batmacum
batman
bat
ba
bat
batman
batmacum
batmacumba
batmacumbaié
batmacumbaiéié
batmacumbaiéié ba
batmacumbaiéié bat
batmacumbaiéié batman
batmacumbaiéié batmacum
batmacumbaiéié batmacumbao
batmacumbaiéié batmacumbaoba”
Pela espacialidade da letra da canção, “Batmacumba” poderia ser um poema concreto, mas a percussão da música popular e o repertório da cultura de massa e o religioso, visto no sincretismo de termos como “Batman”, “ieiê”, “macumba” e do nome africano do pai-de-santo, “ba”, revelam um clima festivo que desvincula o produto do programática construtivista.
Um caso curioso sobre o diálogo desses grupos aconteceu em um debate na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a FAU, na Universidade de São Paulo (USP). Convidados, Gil, Caetano e Torquato foram ao debate sem suspeitar do que foi armado: chegaram sob o som de vaias e bombinhas. Na entrada do evento, alunos distribuíam panfletos com textos de Augusto Boal, extremamente crítico ao movimento tropicalista. Ao perceberem a enrascada em que se enfiaram, convidaram os poetas concretos Augusto de Campos e Décio Pignatari para o debate.
Augusto de Campos iniciou o debate falando que Gil e Caetano eram os que investiam verdadeiramente na revolução contra o medo. Logo depois de Gil argumentar que não foram eles que fizeram mercadoria da música, mas que ela só penetra depois de vendida, a agitação da plateia se transformou em revolta. Em seguida, quando Caetano citou Chacrinha, a plateia ficou enraivecida: vaiou, estourou bombinhas e atirou bananas. Décio enfrentou sozinha a plateia enfurecida, levantando e vaiando para eles.