O que há em comum entre a série Futurama e um escritor tcheco nascido no final do século XIX? A resposta: robôs.
Gosto de tentar imaginar o choque do público tcheco de 21 de janeiro de 1921 quando assistiu à estreia de A Fábrica de Robôs, genial drama do tcheco Karel Čapek (ou Karel Tchápek como também é grafado por aqui, 1890-1938), escrito em 1920 e que trazia em seu título uma palavra nova: roboti (sim, temos aqui o surgimento da palavra robô!). Derivada de robota (um trabalho difícil), roboti era o nome de “máquinas de trabalho vivas e inteligentes” que haveriam sido criadas para facilitar a vida e impedir que o ser humano fosse escravo do trabalho e “para que não sobrasse nada, nada, nada, daquela maldita hierarquia social!” (p. 103).
Mas tudo vai por água abaixo.
Em três atos e uma abertura (espécie de prólogo que se passa dez anos antes dos eventos centrais), Čapek nos conta a história dos robôs, fala-nos sobre as ideias visionárias e algo amalucadas do velho Rossum (aqui há ecos da palavra rozum, razão) e de seu sobrinho; é-nos narrada a transformação desta ideia em uma fábrica de “robôs universais”; temos notícia do surgimento de uma “organização de robôs”; de como a humanidade se torna infértil e o trabalho humano, inútil; até chegarmos, enfim, a uma rebelião dos robôs contra os humanos e as reflexões do último ser humano, que se torna o guardião do “segredo da vida”.
Čapek nos conta a história dos robôs, fala-nos sobre as ideias visionárias e algo amalucadas do velho Rossum (aqui há ecos da palavra rozum, razão) e de seu sobrinho.
Revelar maiores detalhes do enredo desta excepcional obra não seria de bom tom (ninguém gosta de spoiler), então gostaria de compartilhar apenas algumas observações.
Čapek escreve em 1920, dois anos após o final da Primeira Guerra Mundial, a “Grande Guerra”, ter ceifado a vida de milhões de pessoas, em medidas que o Ocidente jamais vira, e ter mostrado a este mesmo Ocidente que a evolução tecnológica, se poderia trazer grande comodidade, também poderia significar o fim do mundo. A consciência disso parece pesar em Karel Čapek e informa a fala da personagem Alquist: “estou denunciando a ciência! Denuncio a técnica! […] Agora todos vocês serão esmagados pela sua mania de grandeza! Um túmulo assim gigantesco de ossos humanos nenhum Gengis Khan jamais ousou construir!” (p. 106).
Outro ponto interessante: o início do primeiro ato nos informa que há um navio de guerra chegando, mas ele é um presente de aniversário (!). O período do entreguerras não é, nem de longe, pacífico. O fantasma de uma nova guerra geral assombrava o mundo. Para além do fantasma, diversas guerras marcaram o período, levando morte e sofrimento a um imenso número de pessoas. No final, os canhões do tal presente de aniversário são apontados em nossa direção e, bem, leiam a peça…
Veremos, num dado momento, que se trata de uma “revolução dos robôs” que conclama a todos os robôs que se unam. E, em 1920, o mundo ainda estava tentando entender os eventos que tiveram lugar no extinto Império Russo, em 1917. Além de “revolução”, encontraremos outra palavra que frequentava o vocabulário político da época: a nação. Ouviremos falar, inclusive, de robôs nacionalistas…
Agora, você que me lê deve estar se perguntando: e o Futurama? Pois bem, talvez você vá se lembrar do quinto episódio da primeira temporada (que foi ao ar no longínquo 1999), quando a Planet Express é contratada para fazer uma entrega de brocas (rosquinhas de robô?) num planeta extremamente perigoso para humanos, pois havia sido colonizado por robôs extremistas rebeldes que haviam se cansado da dominação humana. O nome do planeta? Chapek 9.
Para encerrar, não posso deixar de agradecer à tradutora Vera Machac, que fez Čapek falar excelente português numa agradável edição de bolso da Hedra.
A FÁBRICA DE ROBÔS | Karel Tchápek
Editora: Hedra;
Tradução: Vera Machac;
Tamanho: 148 págs.;
Lançamento: Agosto, 2008.