Alejandro Zambra foi um caso de amor à primeira lida. Bastou uma folheada inocente em Bonsai (leia análise do livro aqui), sua estreia literária, para que eu não conseguisse mais largar o livro e quase terminasse a leitura ali mesmo, em pé, no meio da livraria. Não fosse o vendedor me olhando com cara de “não vai pagar, não?”, teria sido uma história perfeita.
Há algum tempo o nome do escritor chileno vem acompanhado de muitos confetes e carteiradas literárias, sendo a mais frequente a de que ele é novo Roberto Bolaño. Esse tipo de comparação costuma causar certa desconfiança, já que as frases de impacto dos colegas ficam muito bonitinhas em contracapas de livros, mas nem sempre possuem relação com a realidade. Sei lá se, para além da questão geográfica, faz algum sentido colocar os dois escritores na mesma frase, o que dá para dizer com certeza é que os elogios a Zambra não são um exagero.
Meus Documentos, coletânea de contos lançada recentemente pela Cosac Naify, é uma prova de que o escritor chileno é um dos grandes nomes da literatura contemporânea. Suas histórias são, entre outras coisas, sobre pessoas perdidas, tanto em grandes cidades, quanto dentro de si mesmas. A tecnologia se faz presente em diversos momentos, mas nunca de maneira forçada, só para a história parecer moderninha. Os computadores cumprem um papel importante no comportamento dos personagens, muitos deles escritores, mas surgem apenas como uma extensão daquelas vidas.
A angústia, o tédio e o silêncio que compõem o solitário cotidiano estão sempre presentes na memória dos vários narradores, assim como o futebol. Aos poucos estas memórias vão se misturando à história do Chile e, por conseguinte, do próprio autor. As feridas deixadas por Augusto Pinochet e pelos terremotos ainda estão longe de cicatrizar, então é natural que essas questões surjam dado o seu peso para os chilenos. O importante é que em Meus Documentos elas dão profundidade à narrativa e não funcionam como mero cenário histórico para impor algum tipo de relevância forçada, como pode ocorrer em obras que discutem a ditadura militar.
A angústia, o tédio e o silêncio que compõem o solitário cotidiano estão sempre presentes na memória dos vários narradores, assim como o futebol.
Alguns contos, como “O homem mais chileno do mundo”, acabam parecendo um pouco irregulares, quando comparados a outros tão brilhantes, como “Eu fumava muito bem”, contudo é a partir da noção de unidade desta antologia que as histórias podem ser compreendidas de maneira mais interessante. É através da linguagem, sempre muito límpida, sem muitos floreios literários, que as 11 histórias acabam ganhando esta aparente unidade. Pois embora os personagens sejam diferentes, é bastante possível traçar uma linha história e encarar o livro praticamente como um romance de formação, já que acompanhamos os dramas da infância nos primeiros contos, depois as inseguranças da juventude e posteriormente as decepções da vida adulta.
Há nas histórias de Zambra aquela melancolia bem macia que quem vive em meios aos livros costuma gostar de abraçar. É uma tristeza que nos faz buscar não os objetos cortantes espalhados pela casa, mas sim aquelas memórias e aquelas dores que nos compõem, que nos fazem ser o que somos. Nesse sentido, Meus Documentos acaba sendo um meio de contemplação e reencontro.
Tal qual o personagem que mede o tempo e o espaço a cada cigarro fumado com muito gosto, nós também costumamos medir a nossa vida pelos bons livros que lemos, aqueles que de alguma forma nos modificaram e foram importantes. Zambra acabou de escrever um destes livros.
MEUS DOCUMENTOS | Alejandro Zambra
Editora: Cosac & Naify;
Tradução: Miguel de Castillo;
Tamanho: 224 págs.;
Lançamento: Maio, 2015.
COMPRE O LIVRO E AJUDE A ESCOTILHA
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.