Um intervalo de uma década para o lançamento de um livro é um troço que gera certa expectativa. Mas se isso não for o suficiente, as notícias de que esse mesmo livro foi aclamado pela crítica norte-americana talvez baste para te convencer de que é ok desembolsar 70 reais para ler esse tijolão de 600 páginas.
É curioso que um autor com tão poucos trabalhos carregue um nome que é quase uma marca de grife. Pra muita gente, se tem Jonathan Safran Foer escrito na capa, então obviamente se trata de um livro foda.
Nem sempre.
Pra alguns, Foer é apenas mais um autor superestimado.
O caso é que Tudo Se Ilumina e Extremamente Alto & Incrivelmente Perto são livros que marcaram diversos leitores. Li apenas o segundo e me empolguei muito, não apenas com a história bastante sensível, mas também com a maneira inusitada como o autor arquitetou aquela narrativa.
Aqui Estou, lançado pela editora Rocco com tradução de Daniel Pelizzari e Maíra Mendes Galvão, tem lá seus momentos que remetem à sensibilidade do romance anterior, mas o autor está a anos-luz de repetir o feito e mais distante ainda de superá-lo.
Mas calma, o livro não é uma bosta.
O romance acompanha algumas gerações de uma família de judeus, concentrando-se principalmente no casal Julia e Jacob Bloch, cujo casamento está prestes a desmoronar e a relação com os filhos também não anda lá aquelas coisas. Tudo começa quando os dois são chamados na escola de um dos filhos, às vésperas de seu bar mitzvah, pois ele foi flagrado escrevendo palavras racistas. Fora isso, Julia descobre um celular de Jacob escondido no banheiro e se depara com uma troca de mensagens que praticamente poderia ser um roteiro de um vídeo do Redtube.
Aqui Estou tem lá seus momentos que remetem à sensibilidade do romance anterior, mas o autor está a anos-luz de repetir o feito e mais distante ainda de superá-lo.
Casamento em crise, homem branco de meia idade com crise existencial, tradições religiosas, velho X novo, relação distante com os filhos que só sabem ficar na internet, sexualidade problemática… a gente já viu essa história, certo? Talvez o que mais decepcione nesse novo trabalho de Foer seja esse caminho fácil que ele resolveu tomar.
É lógico que o livro fala sobre o nosso tempo e alguns leitores se identificarão com a história (principalmente quem tiver raízes judaicas), mas nossa, que troço mais batido. Tanta gente já fez isso e de maneira muito mais interessante, como Philip Roth (um nome que ecoa a cada página de Aqui Estou) e a própria ex-mulher de Foer, Nicole Krauss.
Um exemplo claro do que chamei de “caminho fácil”: o filho adolescente parece sempre desconectado da família como se fosse, hum, sei lá, um adolescente normal? E aí o modo dramático que o autor encontrou para retratar este distanciamento foi mostrar que o garoto está sempre jogando um game chamado Other Life, um simulador de realidade… Porra, Foer! Essa foi tão sutil quanto um hipopótamo numa loja de louças. Fora isso, há uma espécie de referência incidental ao filme Marley & Eu que, olha, fica bem difícil levar o livro a sério.
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O enredo é contado de forma não-linear e utiliza alguns estilos diferentes, como chats, discursos, roteiro, etc, mas a maior parte do tempo segue num modelo convencional. Na verdade, a variação de estilo soa bem gratuita e exibicionista, já que surge de forma um tanto aleatória e algumas vezes sem muita função na narrativa.
O drama do casal que está tentando sair dos escombros do relacionamento rende bons momentos, principalmente no início, mas, com o passar das páginas, e são muitas páginas, páginas pra caralho, aquilo vai se transformando num draminha safado e desinteressante. Dá sempre a sensação de que o autor está segurando o freio, que não está entregando tudo o que ele poderia ou que a história renderia, e aí o troço se arrasta numa lenga-lenga chatíssima. Falta-lhe sangue nos olhos, falta mais coragem para sair do óbvio e surpreender o leitor.
Ele até compensa com alguns momentos engraçados, como o improvável capítulo todo concentrado numa análise a respeito do pinto do Steven Spielberg. É sério. Os diálogos também são espirituosos em diversos momentos, mostrando os conflitos de gerações de forma interessante. Porém, do meio em diante, isso é deixado de lado e a narrativa assume um tom mais sisudo.
Safran Foer foi bem ambicioso pois, tal com Michel Houellebecq (Submissão), ele inseriu um futuro distópico no meio disso tudo. Nada futurista, algo muito pé no chão, apesar de inventado: em Aqui Estou, Israel sofreu um terremoto terrível e na sequência entrou num guerra sem precedentes, gerando uma crise internacional e abalando judeus do mundo todo.
O livro trata basicamente disso, de uma família e suas raízes históricas e de um mundo cada vez mais fragmentado pelos inúmeros conflitos e pela falta de comunicação. Fala sobre pessoas se agarram umas às outras numa última tentativa de estabelecer relações que deem algum sentido pra suas vidas ou que pelo menos torne suas existências mais suportáveis. Jacob sente aquela angústia de acompanhar a sua própria vida como se fosse um espectador de si mesmo.
O título da obra faz referência a esse sentimento e vem da bíblia, daquela pegadinha do Malandro que Deus fez com Abraão dando aquele migué de que queria que o coitado do filho dele fosse sacrificado. Quando Deus chamou Abraão, ele respondeu “Aqui estou”, demonstrando o seu compromisso, sua firmeza e cumprindo uma prova de fé. Seria uma forma de explicitar a dolorosa convicção de vivenciar o tempo presente. É isso que Jacob tenta alcançar.
No fim das contas, Aqui Estou não é um livro ruim, já que possui diversos trechos muito bons e até emocionantes, o problema é ter que atravessar 600 páginas para encontrá-los.
AQUI ESTOU | Jonathan Safran Foer
Editora: Rocco;
Tradução: Daniel Pelizzari e Maíra Mendes Galvão;
Quanto: R$ 55,60 (625 págs);
Lançamento: Maio, 2017.