Renê leva uma vida de merda. Da recepção do hotel em que trabalha fazendo plantão, atendendo telefone e passando álcool no balcão, observa toda sorte de gente e de lixo humano que circula pela local seguindo a aleatoriedade do caos urbano. Camboriú, destino turístico catarinense, apodrece sob a ótica de Carlos Henrique Schroeder, que nos apresenta não uma colônia de férias de argentinos, mas sim uma cidade infeccionada pela violência e pela falta de esperança.
As Fantasias Eletivas, lançado pela editora Record, é tão curtinho que daria até para classificá-lo como uma novela (o gênero literário, não aquela lá da Globo, ok?), mas ali na página que explica os trequinhos pra catálogo diz que é romance mesmo. O livro foi bastante laureado por aí e também é finalista do Oceanos, o prêmio literário importantão e polêmico do momento. Fora isso, sendo Carlos Henrique Schroeder, além de um escritor, um cara bacana e grande agitador cultural (eu o seguiria nas redes sociais se fosse você), era bastante natural que seu trabalho ganhasse bastante visibilidade entre o pessoal com óculos de armação grossa.
Carteirada dada, vamos ao que interessa: o livro presta? Em partes, sim, só que tem um tantão de poréns que não dá para deixar passar. Mas vamos por partes.
Schroeder tem o mérito de ser um autor que se arrisca e tenta fugir da narrativa tradicional, pois o livro é uma mistura curiosa de romance, fotografia e poesia. Vejo essa coragem com bons olhos, pois nisso de tentar contar uma história de maneira toda pós-moderna, há um anseio de explorar as diversas possibilidades narrativas. Contudo, se tem um conselho que eu daria aos escritores, quando eu for um resenhista bem velhinho que as pessoas leem prestando atenção sem tantas abas abertas no computador, é o seguinte: já deu de metalinguagem, né gente? Segue em frente, há outros métodos.
Nada pior para a composição de um personagem, do que a artificialidade daquilo que sai de sua boca, pois isso praticamente expulsa o leitor da história.
Parece-me que o grande trunfo de As Fantasias Eletivas é também o seu calcanhar de Aquiles, pois o efeito estético empregado compromete aquilo que também é essencial numa obra: a sua história. No duelo forma VS conteúdo, o enredo sai perdendo, uma vez que da metade em diante ele fica meio abandonado pelo meio do caminho e segue-se um exercício de virtuose estilística e semântica.
É uma pena, pois até o meio do livro as coisas funcionam muito bem, já que Schroeder tem as manhas de narrar de forma envolvente, captando muito bem a oralidade daqueles personagens, mas quando entra em cena com mais destaque a personagem Copi, uma travesti, que tinha tudo para render ótimos momentos, os problemas técnicos começam a ficar mais evidentes e incômodos. Quando Copi começa a falar sobre fotografia, é como se uma apresentação de Power Point surgisse no meio do livro e um fotógrafo-filósofo-palestrante meio mala começasse a se exibir diante de uma plateia sonolenta.
Nada pior para a composição de um personagem, do que a artificialidade daquilo que sai de sua boca, pois isso praticamente expulsa o leitor da história. O recurso de tentar disfarçar o constrangimento de que aquilo que está sendo dito (que até é bem bacana) soe acadêmico demais, finalizando os parágrafos com algum comentário chulo de Copi, também não funciona e o que se vê é uma história interessante lamentavelmente degringolando. Quando isso ocorre (e vai por mim, muita gente já tentou isso), o leitor enxerga o escritor ali dentro fazendo aquele discurso e não o personagem, aí o pacto ficcional se desmancha e fica aquele climão de “ok, o livro é legalzinho, mas…”.
As Fantasias Eletivas deixa um gosto de decepção, por causa de seu começo interessante que vai se desmanchando e se perdendo em sua própria linguagem, mas ao mesmo tempo fica aquela esperança de que coisa boa pode vir por aí, já que Carlos Henrique Schroeder demonstra um grande potencial como narrador. Um pouco mais de equilíbrio entre forma e conteúdo fará muito bem ao seu trabalho.
AS FANTASIAS ELETIVAS | Carlos Henrique Schroeder
Editora: Record;
Tamanho: 112 págs.;
Lançamento: Agosto, 2014.
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