Hibisco Roxo (tradução de Júlia Romeu, Companhia das Letras), de Chimamanda Ngozi Adichie, traz duas histórias. Uma delas é sobre a família da jovem adolescente Kambili, protagonista e narradora do romance. A outra é sobre as consequências da colonização da Nigéria, tendo o cristianismo extirpado a cultura tribal e embranquecido a elite.
Eugene, pai de Kambili, representa a elite negra embranquecida. Dono de jornal e de fábricas de produtos alimentícios, é um católico fervoroso e admirado pelos atos de caridade na comunidade. Em nome da fé cega, reprime os filhos (Kambili tem um irmão mais novo, Jaja) com a ideia de que tudo é pecado. Tanto os filhos quanto a esposa, Beatrice, vivem sob um ambiente de terror, em que não faltam punições violentas. Eugene também renega o pai, que segue costumes de religiões tribais nigerianas.
O clima de terror começa a se transformar com a chegada da irmã de Eugene, Ifeoma, e seus três filhos, Amaka, Obiora e Chima. As risadas e descontração desta família vão acabar influenciando Kambili e Jaja. Ao passar o Natal em casa da tia, Kambili começa a descobrir sua feminilidade. É aí que ela se reaproxima do avô e conhece um jovem padre católico, que desperta sua primeira paixão.
Pode-se falar que o personagem de Eugene representa o capitalismo e sua forma avassaladora de destruição das culturas tradicionais.
Pode-se falar que o personagem de Eugene representa o capitalismo e sua forma avassaladora de destruição das culturas tradicionais. Que é uma crítica ao colonialismo – a Nigéria foi colonizada pela Inglaterra durante o século XIX, tornando-se independente em 1960, sofrendo vários golpes militares a partir daí. No âmbito da ficção, é fundamental lembrar que a devoção religiosa do personagem é regada por vultuosas doações de dinheiro às igrejas e à comunidade. Muito mais que fé, o nigeriano quer pertencer a uma certa classe social que fala inglês e repudia (por ser cúmplice) um passado de atrocidades e injustiças.
Embora Eugene seja um líder político, por ser dono de um jornal influente, a realidade política da Nigéria é vista sob o olhar intimista de Kambili. E a escolha por torná-la protagonista tem uma justificativa, não só acompanhar o seu amadurecimento. Também, porque é ela a única sobrevivente da destruição provocada pela crença dos brancos.
“Fiquei deitada na cama depois que Mama foi embora, deixando minha mente remexer o passado, pensando nos anos em que Jaja, Mama e eu falávamos mais com nosso espírito do que com os nossos lábios. Até Nsukka. Nsukka começou tudo; o jardinzinho de tia Ifeoma: rara, com o cheiro suave da liberdade, uma liberdade diferente daquela que a multidão, brandindo folhas verdes, pediu na Government Square após o golpe. Liberdade para ser, para fazer.” (página 22)
O amor da família da tia pelo avô leva Kambili e Jaja a se reaproximarem do ancião. Eles o reveem não mais como elemento perigoso por professar uma crença diferente. Enfim, se torna um ser humano, integrado à família.
Através da paixão pelo padre Amadi, a jovem sofre uma transformação profunda. Seu irmão, Jaja, ao ter contato com a família da tia e com a liberdade dos primos, rebela-se contra as imposições ditadas pelo pai. É Kambili, com a paixão inesperada, que revoluciona. Ela transgride a ideia de pecado que Eugene introjetou na família durante toda a sua vida.
Apesar de temer e admirar o pai ao mesmo tempo, em nenhum momento a jovem questiona este pecado. Apenas sente a força do instinto. A paixão não é levada às últimas consequências, é vivenciada em plenitude juvenil. E a não ser seus primos, jamais é percebida pelos pais ou pela tia. A emoção intensa pelo outro idealizado leva Kambili a amadurecer e ser o sustento de sua família, quando todos já estão destruídos pela intolerância de Eugene.
Chimamanda Ngozi Adichie nasceu em Abba, no estado de Anambra, na Nigéria, em 1977, mas cresceu na cidade universitária de Nsukka, no sudeste, onde se situa a Universidade da Nigéria. Quando completou 19 anos, se mudou para os Estados Unidos da América. Seu primeiro romance, Hibisco Roxo, foi publicado em 2003. O segundo romance, Meio sol amarelo, foi assim chamado em homenagem à bandeira da Biafra, e trata de antes e durante a guerra de Biafra. Foi publicado pela editora Knopf/Anchor em 2006, e ganhou o Orange Prize para ficção em 2007. Sua obra foi traduzida para mais de 30 línguas diferentes. No Brasil, foram publicados Hibisco Roxo, No seu pescoço, Sejamos todos feministas (2015) e Para educar crianças feministas (2017).
HIBISCO ROXO | Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Júlia Romeu;
Tamanho: 328 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2011.