Quando foi lançado em 2001, Donnie Darko, filme de estreia de Richard Kelly estrelado por Jack Gyllenhaal, não fez muito sucesso nos EUA. Na verdade, ele passou batido mesmo. É que o filme estreou nos cinemas pouco depois dos atentados às Torres Gêmeas, então digamos que as pessoas não estavam com muita vontade de assistir a uma história que envolvia desastre de avião.
Foi apenas depois de estrear nos cinemas pelo mundo que as pessoas começaram a se interessar por aquele filme esquisito do coelho. Com o passar dos anos a obra se tornou cult e hoje é reverenciada em todos os cantos por gente fascinada por aquele combo de filosofia, ficção científica, terror e músicas fodas.
O livro lançado este ano pela editora Darkside, com tradução de Antônio Tibau, traz a versão final do roteiro, que foi para as telas com pequenas modificações. Além disso, há também uma longa entrevista com o diretor e roteirista Richard Kelly que tinha, veja só que absurdo, apenas 25 anos quando criou a porra toda e a levou para os cinemas (tudo bem que depois disso ele não fez mais nada de relevante, mas mesmo assim não deixa de ser um feito admirável). No final, temos o livro A Filosofia da Viagem no Tempo, que vem a ser aquela obra que a personagem da velhinha da caixa de correio escreveu e que fez Donnie surtar.
Caso você tenha ignorado esse filme na locadora (local em que os homens das cavernas emprestavam filmes mediante pagamento), a história é mais ou menos a seguinte: Donnie é um garoto que frequenta uma analista, sofre de sonambulismo e que ultimamente tem acordado em lugares estranhos. Quando o conhecemos, por exemplo, ele está dormindo no alto de uma montanha. Sua família leva uma vida razoavelmente normal, mas quando ele começa a ter visões com Frank, um sujeito fantasiado de coelho, as coisas se complicam. Nas conversas com o orelhudo, Donnie fica sabendo que o mundo acabará em exatamente 28 dias 6 horas 42 minutos e 12 segundos, logo em seguida, do nada, uma turbina de avião cai em sua casa, destruído aquilo que antes era o seu quarto. Daí pra frente se abre um universo que possui mais perguntas do que respostas.
O livro lançado este ano pela editora Darkside, com tradução de Antônio Tibau, traz a versão final do roteiro, que foi para as telas com pequenas modificações.
A obra é obviamente destinada aos fãs do filme, então recomendo que você o assista antes de botar as mãos no livro para depois não ficar chorando por causa de spoiler ou porque não entendeu nada. Se bem que nesse segundo caso, não precisa se preocupar muito, pois nem quem assistiu várias vezes entende grandes coisas.
Uma das boas sacadas de Donnie Darko, que faz com que tanta gente pire com o filme, é justamente a ausência de muitas explicações (lembra o quando a gente gostava de Lost antes deles começarem explicar o que era tudo aquilo?). A entrevista no início do livro é bacana, pois mostra o quando Kelly penou para conseguir manter o roteiro como ele havia imaginado, com todos os seus simbolismos e sem apelar para as convenções hollywoodianas de mastigar tudo para o expectador com déficit de atenção. Ele acreditava no poder da sua história e comprou muitas brigas para conseguir ir em frente sem ter que modificá-la. O roteiro passou por várias mãos, muita gente se interessava por aquela história incrível, mas ninguém tinha coragem de levar o projeto adiante. Foi só quando Drew Barrymore (que faz uma professora de literatura) se interessou pelo papel que a coisa finalmente começou a dar certo.
Richard Kelly acredita que a força de seu roteiro está justamente nas suas lacunas, que podem ser preenchidas conforme a imaginação de cada um, então não espere que o livro traga muitas explicações de coisas que você não sacou enquanto via o filme. É claro que ao ler o roteiro e o livro da velhinha, você poderá formular teorias um pouco mais críveis, uma vez que fica mais fácil captar muitas pistas deixadas nos diálogos (principalmente os com o professor de física do colégio) e no próprio final, que acaba retomando e encaixando várias afirmações feitas anteriormente. Enfim, dá para dizer após ler esse livro que Donnie Darko é menos um filme de suspense/terror, do que um filme sobre viagem no tempo.
Mas o bacana é que a obra não se reduz a essas teorias, já que também levanta diversos questionamentos sobre inadequação social e valores refastelados na alienação. Donnie sofre de depressão e acredita enxergar as coisas pelo filtro de sua medicação e isto lhe dá um distanciamento, que lhe permite enxergar a hipocrisia da sociedade e ridicularizá-la. Há vários outros personagens secundários, como a garota do ponto de ônibus ou o palestrante de autoajuda (ecos de Magnólia, do Paul Thomas Anderson?) , que acabam por escancarar não apenas a podridão de algumas relações, como também um profundo sentimento de solidão. São pessoas perdidas num jogo de aparências tão alquebradas que a fantasia de coelho satânico nem chega a ser a mais ridícula.
Resumindo: se você é fã do filme, vai fundo que vale a pena.
DONNIE DARKO | Richard Kelly
Editora: Darkside;
Tradução: Antonio Tibau;
Tamanho: 240 págs.;
Lançamento: Abril, 2016.