Não poderia ter escrito sobre Sono, de Haruki Murakami, em horário mais apropriado. Madrugada. Tampouco poderia estrear n’A Escotilha se não fosse com ele, o autor. O japonês mais ocidental da atualidade cresceu, aos olhos do público e da crítica, ao vender milhões de exemplares e conquistar espaço cativo nas estantes de leitores dos quatro cantos do mundo. Um feito que não parece ter sido efêmero. Seus lançamentos continuam a desaparecer das prateleiras com rapidez que impressiona. E uma de suas mais recentes obras lançada no Brasil, um conto de 110 páginas – algumas delas ilustradas –, pode não ser o maior best-seller do currículo de Murakami, mas decerto reúne os elementos psicológicos característicos do autor japonês.
Em Sono somos levados a acompanhar toda a angústia de 17 noites insones da protagonista. São noites em claro, em um livro escuro. A agonia de permanecer acordada por mais de duas semanas. Os desejos saciados durante a noite – mesmo que seja uma simples barra de chocolate. As horas subtraídas das páginas de Anna Karenina, romance lido e relido pela protagonista noites a fundo. O fato de não haver nome nos personagens constrói na história uma atmosfera de ainda mais incerteza. E que conduz o leitor por um denso caminho.
Pelo conto, acompanhamos, a cada segundo, o comportamento de uma protagonista que não encontra alternativas à madrugada, a não ser conviver com a impossibilidade de dormir. Retoma hábitos antigos nessa situação. A leitura, até então abandonada, vira sua grande companheira, por horas a fio.
A sensação de desconforto é tanta que nos faz questionar o que faríamos em uma situação semelhante. E quem é que nunca ficou pelo menos uma noitezinha sem conseguir dormir? Problemas que voltam à cabeça durante a madrugada, sonhos desagradáveis, excesso de preocupação.
Pelo conto, acompanhamos, a cada segundo, o comportamento de uma protagonista que não encontra alternativas à madrugada, a não ser conviver com a impossibilidade de dormir.
Pelo menos a princípio, e de forma direta, a razão que mantém a protagonista acordada não nos é revelada. Construímos, a cada linha, nossa própria percepção de sua insônia. A exemplo dos conflitos psicológicos construídos em Norwegian Wood, ou mesmo Após o Anoitecer, Murakami consegue dividir com o leitor momentos de ansiedade que atravessam as páginas de Sono. Um curto conto, mas que carrega em seu pequeno tamanho a imensidão de conflitos humanos e cotidianos que se confundem com a realidade.
O livro pode ser lido de duas maneiras: em uma rápida toada, do início ao fim, como em um gole; ou a conta-gotas, sendo degustado a cada página e a cada ilustração. A edição da Alfaguara possui acabamento minucioso. O design gráfico é todo elaborado em tons de azul. Desde a capa, dura, às letras, perpassando pelos traços firmes que dão imagem às palavras de Murakami. Um exemplar vale a pena não só ser lido, como visto.
Muitos ainda não compreendem o sucesso de Murakami além da terra do Sol nascente. Não entendem o que fez o simpático japonês cair nas graças da cultura ocidental. Talvez, uma breve dedicação a suas obras publicadas em português sane a dúvida. E Sono pode ser uma excelente porta de entrada para o universo do autor. Decerto, manterá o leitor bem acordado.
SONO | Haruki Murakami
Editora: Alfaguara;
Tradução: Lica Hashimoto;
Quanto: R$ 31,90 (120 págs.);
Lançamento: Março, 2015.