Em algum momento da vida, os papéis a que estamos acostumados acabam se invertendo, então não é raro que um filho passe a ser o pai de seu pai ou uma filha se transforme na mãe de sua mãe, dado o avanço do anos e a aproximação da velhice. O tempo das despedidas está sempre à espreita, então chega um momento que não basta ignorá-lo. Trata-se de um processo natural, mas que nem sempre é encarado com naturalidade, afinal, há todo o peso do passado inserido nesta relação.
Em A Mãe Eterna, lançado pela editora Record, Betty Milan narra este doloroso processo de distanciamento/aproximação de sua mãe de modo bastante sensível. Diante da decrepitude da saúde da figura materna, acompanhamos uma filha que se debate num cotidiano angustiante, em que toda ligação parece representar uma ameaça: alguém dirá que sua mãe se acidentou, que sofreu alguma queda, que está internada, etc.
O tempo das despedidas está sempre à espreita, então chega um momento que não basta ignorá-lo. Trata-se de uma processo natural, mas que nem sempre é encarado com naturalidade, afinal, há todo o peso do passado inserido nesta relação.
Do outro lado, uma senhora que vê a segurança e controle de sua vida escapando de suas mãos. Há algum motivo para seguir em frente quando não se sabe mais para onde está indo? A eutanásia é cogitada e debatida várias vezes ao longo do romance, como sugere o subtítulo: “morrer é um direito”.
Através de uma narrativa bem ágil, com uma linguagem leve e de certa forma até meio incomum para este tipo de assunto, Betty Milan consegue desenvolver alguns momentos intensos, já que explora bem os aspectos psicológicos das personagens, o que pode gerar algum tipo de empatia por parte de quem eventualmente já se viu em situações parecidas.
Dá para perceber que a autora tentou estabelecer um tom em que a narrativa permanecesse sempre à flor da pele, em que cada gesto e cada palavra estivessem prenhes de significado e de emoção. Porém isso ocorre de modo um tanto acelerado ou não tão bem estruturado e talvez não chegue a tocar alguns leitores da forma que aparentemente se pretendia.
Há alguns livros que trilharam este caminho da relação pais e filhos de modo muito mais intenso, então dependendo da bagagem do leitor, A Mãe Eterna ganha ares de mais do mesmo ou de uma narrativa muito amena.
Em Uma Duas, por exemplo, a jornalista Eliane Brum apresenta um história brutal justamente sobre uma filha que vê a mãe, a quem odeia de coração, ir se desintegrando diante dos seus olhos. É o tipo de livro que te faz parar de quando em quando para dar uma respirada. Patrimônio, de Philip Roth, outra paulada, também me parece uma referência importante quando o assunto é acompanhar a enfermidade de seu seus progenitores, já que acompanhamos o autor ao lado de seu pai em seus últimos dias de vida. Por fim, cito Cantiga de Findar, do mexicano Julián Herbert, uma pedrada em forma de romance, em que o autor revira as entranhas da conturbada relação com a mãe.
Todos os livros citados conseguem, de longe, causar mais impacto emocional durante a leitura e gerar muito mais reflexões do que o livro de Betty Milan, mas isso não quer dizer que A Mãe Eterna seja um livro ruim. Trata-se apenas de uma obra menor, mas que tem o seu valor, principalmente naquilo que já foi citada: a sensibilidade com que a história é narrada.
A MÃE ETERNA | Betty Milan
Editora: Record;
Tamanho: 106 págs.;
Lançamento: Abril, 2016.