Cortázar deu a lição – o conto precisa vencer por nocaute, tem que ser rápido e preciso, jogar o leitor no chão em poucas palavras – e o escritor pernambucano Mario Filipe Cavalcanti parece ter seguido à risca os ensinamentos do mestre portenho. Caninos Amarelados (Cepe, 106 páginas), seu livro mais recente, não deixa dúvidas de que Cavalcanti é o nome ao qual devemos prestar atenção.
Com uma narrativa e uma sintaxe muito próprias, o autor consegue criar uma atmosfera pessoal e lírica para contar suas histórias que, em geral, tratam dos mesmos temas: as máscaras das convenções sociais, a identidade do indivíduo, o amor como escape e as situações limítrofes entre realidade e ilusão. São imagens etéreas e, às vezes, pouco nítidas, que vistas do ponto certo permitem o vislumbre racional e estarrecedor da realidade.
“Estava uma tarde muito quente e seus fluídos dançavam com os fluídos do ar sem ele saber”, ataca o primeiro conto do livro, “Iniciação”, logo em sua linha inicial. E é quase impossível não pensar nos Cronópios e Famas cortazianos, por exemplo. Apesar das pequenas semelhanças ou influências, Mario Filipe não se abraça ao pré-estabelecido, como “Inócuo” e “Free”, dois contos que já fazem parte do recheio do bolo.
O narrador de Cavalcanti é sempre o artista da fome kafkiano, alguém capaz de levar às últimas consequências mesmo o que for mais pífio e banal.
“Post scriptum” é um réquiem metalinguístico, uma espécie de brincadeira mórbida – ou humor negro – em um país no qual o hábito de leitura da população não chega a três livros por ano. Já “Ab Ovo” remonta, ainda que levemente, à tradição da poesia concreta que, por sinal, parece estar esquecida e empoeirada em algum baú da história da literatura brasileira – que merece ser aberto.
Estreito
Os contos de Caninos Amarelados são estreitos, muito diretos e longe dos lugares-comuns e clichês que abundam a literatura contemporânea. Ainda que não exista um fio a conduzir os textos, Mario Filipe Cavalcanti estabelece certa unidade, seja pela temática (como dito acima), seja pelo estilo conciso e cosmopolita. O que chama a atenção é que, contra tudo, Mario Filipe, que tem somente 25 anos, não soa pretensioso e sabe exatamente onde está pisando (algo cada vez mais raro).
“Uso uma máscara ridícula de um escritor que quer ser lido”, dispara em uma das histórias. O narrador de Cavalcanti é sempre o artista da fome kafkiano, alguém capaz de levar às últimas consequências mesmo o que for mais pífio e banal. Há, na maioria dos casos, um pequeno pavio que, ao ser acesso, dispara uma grande artilharia.
Existe sempre a fome, uma fome de arte e de vida, uma fome que não pode ser satisfeita com pão e vinho – uma fome que não está pronta a milagres.
CANINOS AMARELADOS | Mario Filipe Cavalcanti
Editora: Cepe;
Tamanho: 106 págs.;
Lançamento: Março, 2016.