Não satisfeita em ser “apenas” poeta, Kate Tempest também é rapper, dramaturga e romancista. A jovem londrina que fez sucesso na Flip 2016 por causa de seu carisma e de suas declamações esfuziantes lança no Brasil, pelo selo Casa da Palavra da editora Leya, Os Tijolos nas Paredes das Casas, com tradução de Daniela P. B. Dias.
Em seu primeiro romance, a escritora tenta retratar uma geração de jovens que sempre achou que seria especial, mas que acabou se deparando com um futuro de merda, feito de prazeres fugazes e desilusões. A vida adulta não é exatamente um parque de diversões, então o que vemos é o brilho que vai desaparecendo dos olhos daqueles que aos poucos perderam as esperanças.
Com uma mala cheia de dinheiro, Becky, Harry e Leon deixam Londres pra trás para fugir das tretas com alguns traficantes e também para tentar preencher o vazio das expectativas nunca alcançadas em suas vidas medíocres. Enquanto o trio parte para um futuro incerto, o passado vem devorando o caminho que some no retrovisor.
O livro começa de forma excelente, com Kate Tempest trazendo toda a influência do hip-hop para compor um prólogo cheio de musicalidade e verve crítica: “Para eles, já deu. O pão e a bebida e o concreto. A beleza da coisa toda. Todos os ínfimos momentos gloriosos. Pastores, pais, operários. Românticos de olhos vidrados andando para lugar nenhum. Sinais de trânsito e carros engarrafados e corpos para enterrar e bebês para fazer. Um emprego. Só um emprego. As pessoas voltaram a matar em nome de deuses. O dinheiro está acabando com a gente. Eles vivem numa solidão tão completa que se transformou no tecido das suas amizades”.
A estrutura narrativa que Tempest tenta desenvolver é bastante ambiciosa, pois pretende compor um painel da atual geração e também a de seus pais e avós, com flashbacks que retratam várias décadas da Europa.
Daí em diante a autora parte para um tipo de narrativa mais convencional e conta em flashback a história de como os três protagonistas chegaram até aquele momento da fuga. Somos então apresentados a uma cidade cheia de gente descolada e desolada, são jovens desiludidos com aquilo que se tornaram e que tentam esquecer suas frustrações mergulhando no sexo e nas drogas, ao passo em que alguns lutam do jeito que podem pelo seu lugar no mundo, enquanto outros apenas esperam que tudo desmorone de vez.
A estrutura narrativa que Tempest tenta desenvolver é bastante ambiciosa, pois pretende compor um painel da atual geração e também a de seus pais e avós, com flashbacks que retratam várias décadas da Europa. Por um lado é bem interessante você observar um personagem que parecia não ter tanta importância, ser desenvolvido a ponto de sabermos toda a sua história e motivações pessoais. Por outro lado, há um excesso de background, parece até que se surgir um tiozinho do cachorro-quente nós ficaremos sabendo de seu passado, de sua luta no Vietnã, etc. Isso faz com que a narrativa não flua muito bem e nos passe a sensação de que a história não está andando como deveria. É claro que há um interesse em aprofundar as questões das raízes históricas e do aspecto cíclico dos eventos, que fazem com que uma geração se pareça muito com a outra, mesmo que ela se julgue antagônica e negue os ecos que a compõe. Porém, a falta de ritmo do livro incomoda.
O romance vale a pena mais pela habilidade de Kate Tempest em lapidar frases excelentes, cheias de imagens inesperadas, do que pela história em si, uma vez que há seguimentos inteiros cheios de clichês enfadonhos de filmes de tráfico de drogas que poderiam simplesmente ser eliminados, sem comprometer a compreensão do restante da história.
Trata-se de uma obra interessante, mas ainda faltam alguns degraus para que Tempest alcance como romancista o fascínio que exerce como poeta.
OS TIJOLOS NAS PAREDES DAS CASAS | Kate Tempest
Editora: Leya;
Tradução: Daniela P. B. Dias;
Tamanho: 336 págs.;
Lançamento: Junho, 2016.