Manoel Carlos Karam (1947 – 2007) é um monumento da literatura brasileira – ou, como afirmaria Carlos Henrique Schroeder, “um movimento literário”. Qualquer tentativa de enquadrá-lo em um rótulo pronto e academicista é limitá-lo, algo que o próprio Karam jamais permitiria. Sexta-feira da semana passada, a verdadeira estreia do escritor, foi publicado pela primeira vez – em uma edição limitadíssima a amigos – em 1972 e somente em 2018 ganhou o mundo como realmente merece.
Livro preciso, Sexta-feira da semana passada já deixa claro os passos de seu autor ao longo da carreira: uma literatura inventiva, não linear e metamorfoseada. Carlos Mel, uma espécie de antiprotagonista, é um sujeito ordinário, que vai ao bar, paga a conta e deixa o troco como sinal de gentileza. Karam estilhaça as noções de tempo e espaço, de história e narrativa. Se existe um caminho a seguir, o autor de Encrenca vai pelo lado contrário.
Com ilustrações de Frede Tizzot, Sexta-feira da semana passada coloca o leitor contra a parede, intimando-o à leitura, como alguém à espreita em uma emboscada. Carlos Mel caminha por Curitiba e Curitiba também caminha por Carlos Mel que, por meio de pensamentos fugitivos, tenta alcançar Alzira. Karam cria uma cidade intrincada nos seus personagens, desbravam os relacionados e as vicissitudes da metrópole. Nada está claro, justamente porque existe a justaposição de vozes, frases, lembranças.
Se existe um caminho a seguir, Manoel Carlos Karam vai pelo lado contrário.
Lacração
Em tempos de uma literatura cada vez mais atrelada à “lacração” e à necessidade de oferecer ao leitor uma “moral da história”, ler Manoel Carlos Karam relembra que é preciso ser libertário. Sexta-feira da semana passada, ainda que renegada por seu criador, vai na contramão de tudo aquilo que se espera de uma nova contemporânea. Ainda bem.
O legado de Karam, parafraseando seu debut, arrasta-se com tanta força que levanta poeira e deixa sulcos. Para a professora Dirce Waltrick do Amarante, o autor de Cebola e Jornal da guerra contra os taedos é um dos poucos representantes do nonsense no Brasil. Segundo Reginaldo Pujol Filho, em Karam, “o estranho é real”. Em outras palavras: não há camadas de proteção contra aquilo que pode nos ferir. E aí está um dos grandes valores da obra karaniana: é impossível maquiar a bestialidade e o incômodo, tudo fica à vista.
Para “rivalizar” com Karam, talvez somente outro curitibano – também por adoção, já que MCK nasceu em Rio do Sul (SC) –: Valêncio Xavier (nascido em São Paulo), que escreveu o magistral O Mez da Grippe, esgotado e vendido a preços extorsivos na Estante Virtual. Ambos, amigos e admiradores mútuos, mostraram que é possível fazer literatura com o absurdo e com o surreal do cotidiano.
SEXTA-FEIRA DA SEMANA PASSADA | Manoel Carlos Karam
Editora: Arte & Letras;
Tamanho: 52 págs.;
Lançamento: Março, 2018.