Como analisar um livro que não contém uma sílaba ou letra sequer? O desafio de enfrentar uma obra que utiliza não apenas majoritariamente a ilustração, mas faz dela seu único recurso comunicacional, não é algo simples. Encarar Desenhos Invisíveis pode ser um pouco complicado para quem não se prende apenas à imagem.
Gervasio Troche é argentino, natural de Buenos Aires. Nasceu no ano de 1976, durante o exílio de seus pais na Argentina. Sua infância foi dividida entre a França e o México, tendo posteriormente se mudado para o Uruguai, terra de seus pais, em 1985. A ilustração foi algo presente boa parte de sua vida, quase como um amigo invisível, que não ousava dividir com ninguém. De suas influências, ou melhor, do que admira, que vai do também argentino Kioskerman ao brasileiro Santiago, criou uma estética própria.
Desenhos Invisíveis é uma compilação dos trabalhos de Troche, disponibilizados em seu blog pessoal entre os anos de 2009 e 2012. Lançado originalmente na Argentina pela editora Sudamericana, o livro foi publicado no Brasil pela Lote 42 no último ano.
A versão da Sudamericana (Dibujos Invisibles, 2013) possui prólogos dos quadrinistas Tute e Kioskerman, dois dos mais representativos da Argentina. A versão da Lote 42 conta com prólogos de Fabio Zimbres e Adão Iturrusgarai. Entre os inúmeros fatos curiosos do livro, que vão muito além da ausência completa de palavra escrita, estão o uso recorrente do guarda-chuva, da representação do céu, seja através das estrelas ou mesmo da lua, e as janelas.
Troche, que teve sua turnê de lançamento nacional financiada mediante crowdfunding, é uma espécie de Chaplin dos quadrinhos. Com sua pena, o quadrinista recorre, mesmo que despretensiosamente, à essência da arte de Carlitos. Por mais que nos pareçam mudos, suas ilustrações conectam-se em outro nível com nosso subconsciente, criando uma narrativa muito própria para cada leitor, o que torna Desenhos Invisíveis vários livros em um só.
Apropriar-se da arte de Troche é, em última instância, dar vazão ao seu trabalho.
Apropriar-se da arte de Troche é, em última instância, dar vazão ao seu trabalho. Somos, então, um instrumento de sua obra, por mais que o ilustrador possa crer que não tenha no fundo esta intenção. Como dito pela escritora e pesquisadora Gemma Penn em sua icônica obra Análises Semióticas de Imagens Paradas, “o processo de análise nunca se exaure e, por conseguinte, nunca está completo”, ou seja, há sempre uma nova forma de ler uma imagem.
Portanto, cada leitor de Desenhos Invisíveis significará os desenhos a partir de associações trazidas à mente durante a leitura. A subjetividade torna a experiência de mergulho da obra de Gervasio Troche indiossincrática e, ao contrário do que poderíamos imaginar, não limita sua leitura.
Conforme a sua bagagem – de vida ou cultural – você pode enxergar uma obra instrospectiva, melancólica, até certo ponto triste, ou então, o registro de um sonho, de um homem que se esforça em admirar o que está nas entrelinhas, que vê o mundo sob uma perspectiva otimista, e que tira forças do mundo das não-palavras. Troche e Desenhos Invisíveis agem em mim de uma forma ímpar, um misto de apropriação e pertencimento, representatividade e otimismo. Quase uma poesia dos calados.
DESENHOS INVISÍVEIS | Troche
Editora: Lote 42;
Tamanho: 160 págs.;
Lançamento: Setembro, 2014.
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