Quem realmente foi Dalton Trumbo? Impossível dizer. Nem mesmo Bruce Cook, biógrafo do roteirista, foi capaz de dizer. Trumbo (Intrínseca, 370 págs.), livro que deu origem ao filme que concorreu ao Oscar, é certeiro ao revelar as nuances de um homem que, depois de passar fome na infância, tornou-se contrabandista de álcool – durante a lei seca –, e ainda assim pode se tornar um dos nomes mais importantes de Hollywood.
Trumbo nunca temeu suas preferências políticas. Sua filiação ao Partido Comunista jamais foi segredo para ninguém. Até chegar o macartismo, ele viveu como qualquer outro homem. A paz durou até o momento em que o roteirista de Spartacus (1960) fosse incluído entre os 10 de Hollywood – uma lista de personas non gratas. Como Cook deixa claro em seu livro, Trumbo foi da coragem ao desespero. Sua excentricidade – passava horas escrevendo dentro de uma banheira, acompanhado por um copo de uísque — é apenas um elemento da biografia.
Ao contrário do filme, Cook não explora só a maturidade. O biógrafo esmiuça o passado de seu personagem. Entrevista amigos, procura Trumbo, conversa com colegas de set para compor – com o máximo de fidelidade que uma biografia permite – o mosaico que é os dias de qualquer ser humano. Em diversos pontos do livro, Cook conversa com o leitor, explica o porquê de algumas decisões, mas não espera condescendência.
Entrevista amigos, procura Trumbo, conversa com colegas de set para compor – com o máximo de fidelidade que uma biografia permite – o mosaico que é os dias de qualquer ser humano.
Os bastidos dos filmes são mencionados quando fazem sentido. A batalha para escrever Johnny Vai à Guerra, o livro (1939) e o longa (1971), está lá, porém, sem o sensacionalismo que caberia. A menção do contato entre Trumbo e Audrey Hepburn, estrela de A Princesa e o Plebeu (1953), é tão superficial que é facilmente esquecida. O destaque maior, dentre os fatos fora do cinema, fica por conta do romance com Cleo, que seria companheira pela vida toda. Quando se conheceram, Dalton era um roteirista com algum futuro e Cleo estava casada com um xerife e trabalha em um drive-in. Roubá-la do marido foi questão de tempo. E de coragem.
Atraso
Publicado nos Estados Unidos, Trumbo chega por aqui com quatro décadas de atraso, mas talvez na hora certo. É impossível não contextualizar o livro com dois pontos. O primeiro, e mais óbvio, é indicação de Bryan Cranston ao Oscar de melhor ator. Depois, a atual situação política brasileira e a caça à esquerda.
Não que se despir dessa curiosa “atualidade” faça diferença, mas torna a leitura mais interessante.
No final das contas, a vida de Dalton Trumbo é tão – ou mais – curiosa que tudo aquilo que escreveu em vida. E Cook, entre poucos deslizes, soube aproveitar isso muito bem, sem que fosse preciso transformá-lo em um herói moral ou deformá-lo à guisa do que fez o jornal The Hollywood Reporter em 1947.